
Estive no 3º Congresso de Teologia Vida Nova, que versou sobre a questão da hermenêutica. Sabe como é, temos tantas pregações e formas de igrejas que, a menos que entendamos de onde cada um – quando diante da Bíblia – tira a sua mensagem, chegaremos a um estado de absoluta impossibilidade de nos entendermos. Serão discursos sem som e sem sinais, falas ininteligíveis. O encontro foi uma tentativa de, pela compreensão dos métodos de interpretação dos vários atores, construir pontes. Mas o congresso foi muito além de seu objetivo inicial, de ser algo descritivo, e partiu para a formulação de propostas. Paulo Romero nos informou que os pentecostais estão fazendo autocrítica e, sem abandonar a experiência, estão buscando formular uma hermenêutica consistente. Esta é uma boa e bem-vinda notícia. Já o Prof. Leonildo Campos fez-nos ver que os neo-pentecostais não têm uma hermenêutica. Têm um negócio onde o texto deve emular uma fé que permita ao crente esfregar a lâmpada mágica que aprisiona Deus na aridez de sua soberania e o aprisionar ao possuidor da fé – embora eles digam “está amarrado” ao diabo, é a Deus que querem amarrar. Entrementes, foram devidamente denunciados o liberalismo e o seu sucedâneo, o neo-liberalismo (Julio Zabatiero), assim como o subjetivismo (Estevan Kirschner), ainda que a subjetividade tenha sido valorizada. Graças a ótima explanação da Dra. Tereza Cavalcante, nos demos conta de como o Vaticano II protestantizou um segmento significativo do catolicismo, a ponto de relativizar a figura de Maria e de gerar uma nova onda de mártires. Morrendo por Jesus e por seus pobres, esses novos católicos nos desafiam a demonstrar a relevância de nossa fé. A cultura, principalmente na exposição de Donald Price, e o povo (Teresa Cavalcanti) receberam, finalmente, a honra que lhes é devida, como mediadores da leitura do texto sacro. Surpresas 1 - Apesar de todo o preconceito que se possa urdir sobre pensadores do "terceiro mundo", habemos inteligentia, i.e., temos eruditos de qualidade incontestável. Assistimos um show após o outro, uns mais show do que outros, mas todos brilhantes. 2 - O método histórico-gramatical e o método histórico-crítico foram, tanto por Julio Zabatiero como por Luiz Sayão, denunciados como farinha do saco iluminista e instados a se reciclarem, ainda que o histórico-gramatical tenha sido apontado (Sayão) como sendo dos males o menor. 3 - O fundamentalismo sociológico, demonstrou-o Zabatiero, é neo-liberal, logo não evangélico – "Os extremos se encontram", já disse Aquino. 4 - Foi nos revelado – pelo menos foi isso que se depreendeu da palestra de Luiz Sayão – que apesar da antipatia que os neo-pentecostais parecem despertar são eles os verdadeiros herdeiros de Schleimacher, Heidegger, Bultman e Nietzsche, pois, como sugerido por estes, tomaram o texto sacro para si sem nenhuma consideração para com a intenção dos autores, sejam os mediatos ou o Autor por excelência. 5 - Quase todos, até os mais ortodoxos atacaram a teologia sistemática – parece que todos desistiram de uma explicação que compreenda o todo. Será ponto para os existencialistas e para os filósofos da linguagem? 6 - Tivemos duas propostas desafiadoras: a amplitude da influência da cultura na formação da própria Bíblia (Donald Price) – que nos liberta de uma abordagem ingênua, nos chama a uma maior interação com o texto e com a cultura que almejamos alcançar e nos leva à maior necessidade de dependência do Espírito Santo – e uma nova hermenêutica baseada no sentido da ação (Julio Zabatiero), que, embora não tenha sido aprofundada, acena para nos libertar da modernidade, aguçando nossa curiosidade e esperança – esperemos. Permeando toda a reflexão ecoava a voz de Ricardo Agreste que, em todas as devocionais, nos instava ao temor do Senhor, uma vez que fazer hermenêutica é aventurar-se em Terra Santa, e não se faz isso impunemente. Conclusões 1- Fomos desafiados a buscar, no texto, o sentido que faça sentido para os que carecem de sentido, sem perder o sentido do texto e o sentimento de Deus. 2- Fomos colocados diante da complexidade e da tarefa da simplicidade – logo da necessidade – de caminharmos da Ciência mais em direção ao Espírito Santo, o grande tradutor da Trindade. 3 - Viva a Bíblia! Que outro livro desafia tanto? Que outro livro, mais do que a Esfinge, exige ser decifrado? Que outro livro necessita tanto ser buscado em seu sentido para que tudo tenha sentido? Todos os palestrantes, com a qualidade profundidade e relevância de suas participações, afirmaram : a Bíblia é o livro! 4- Viva o Espírito Santo! No Pentecostes, Ele deixou claro que Deus tem uma mensagem e quer ser entendido, e que Ele é o grande intérprete. E vale dizer que Ele tem conseguido se fazer entender – o que nos surpreende é que o consiga por meio de tantos métodos e que em todos eles encontre arautos e mártires. Isto nos exorta à compreensão de que só no exercício de nos ouvirmos mutuamente é que acabaremos por ouvir o Santo Intérprete. O grande desafio é lembrar que qualquer que seja o método, ele tem de se submeter ao parâmetro por excelência: amor a Deus acima de todas as coisas e amor ao próximo da forma como Cristo nos ama.
Soli Deo glori, Soli Cristo imitatio
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Ariovaldo Ramos é filósofo e teólogo, além de diretor acadêmico da Faculdade Latino-americana de Teologia Integral, missionário da Sepal e presidente da Visão Mundial. É membro da equipe editorial da Edições Vida Nova.
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