segunda-feira, 16 de junho de 2008

MEDO DO INFERNO

Em uma sociedade onde valores e padrões mudam velozmente, a igreja precisa aprender a ler a sua geração para atender às suas demandas. Na tentativa de fazer a leitura social contemporânea, surgem boas igrejas alternativas e um preocupante 'evangelho alternativo' que adapta a Verdade.
Em 1517, quando o teólogo Martinho Lutero fixou as 95 teses na porta da Igreja de Todos os Santos em Wittenberg, Alemanha, uma nova e revolucionária visão do cristianismo estava prestes a nascer. Cansado das distorções do Evangelho que a Igreja Católica pregava para os fiéis e a mercantilização da salvação, o gesto de Lutero representou o clamor por mudança na estrutura religiosa vigente e foi o estopim para um movimento reformador das doutrinas cristãs.
Passados 488 anos, interpretações equivocadas dos textos bíblicos e a divulgação de doutrinas que Lutero alertou e condenou, podem ser encontradas atualmente em muitas igrejas evangélicas. Como num cardápio, pode-se escolher cultos para emagrecer, para arrumar marido, para alcançar prosperidade financeira, entre outros, fazem parte desse novo cenário eclesiástico. Diante dessa babel doutrinária, como será que se relacionam os novos convertidos com a igreja e o Evangelho? Por que muitos estão se transformando em crentes de ocasião?
Para o presidente do Centro Apologético Cristão de Pesquisa, pastor João Flávio Martinez, muitas igrejas estão pregando uma fé imediatista e por isso, acabam atraindo pessoas que buscam soluções para seus problemas ao invés de um encontro genuíno com a palavra de Deus. "A tônica e retórica das mensagens dessas igrejas gira em torno de promessas imediatistas, tais como, prosperidade, cura divina, quebra de maldição, cura interior, etc. São assuntos que vivem afligindo nossa sociedade e essas igrejas têm aproveitado essa situação, deixando de lado a mensagem cristocentica", analisa o pastor, mas ressalta que," essa circunstância não é generalizada nas igrejas pentecostais, na sua maioria elas pregam a boa palavra. Pois, em muitas igrejas, seus líderes têm se achegado mais perto das pessoas, levado um evangelho mais vívido e voltado mais à problemática individual e assim, levando-os a mensagem da graça de Deus", confirma o teólogo com satisfação.
Compartilhando da mesma opinião, o pastor da Igreja Cristã Reformada (SP) Ariovaldo Ramos considera que distorções do Evangelho partem de líderes despreparados que pregam um cristianismo superficial. Como reflexo, os membros absorvem suas mensagens como verdade e passam a estabelecer uma relação de barganha com Deus. De acordo com a bênção recebida, mais vínculo com a igreja e comprometimento com trabalhos voluntários e doações. Entretanto, Ariovaldo alerta, "tanto as revelações como os milagres são extemporâneos. Não há nenhuma garantida de que ocorrerão e, na maioria dos casos atendem a propósitos específicos de Deus. A prosperidade financeira não é uma promessa neo testamentária", frisa o pastor que esclarece, "há bênção de Deus para os fiéis que contribuem, mas passam longe do que tem sido prometido em alguns púlpitos neo pentecostais". Ainda segundo o pastor Ariovaldo, é preciso conscientizar que os cristãos sofrem como qualquer pessoa, em todas as áreas, tendo como única exceção os sofrimentos provocados pelo pecado pessoal, que deveria estar banido do cotidiano do cristão. Procurar igrejas sérias e dirigidas por líderes capacitados é o conselho que o pastor da Igreja Ponto de Fé (RJ), Aluízio de Moraes Filho, oferece para todos aqueles que desejam ter um encontro genuíno com o Evangelho. Para evitar frustrações, o pastor incentiva o estudo Bíblico, adquirindo base suficiente para avaliar o que está sendo dito nos púlpitos.
Com relação ao surgimento de igrejas alternativas, o pastor não vê problemas, "desde que não apresente um 'evangelho alternativo'", pondera. Na opinião do pastor, "É melhor fazer parte de uma igreja alternativa com uma sã doutrina do que ser de uma igreja convencional com incorretas e falsas doutrinas. Pois, líderes que pregam uma espécie de conquistas sem lutas ou vitórias, podem produzir efeitos colaterais indesejáveis tais como repúdio à fé por causa de desilusões", adverte.
Essa é a mesma preocupação do teólogo Osmar Ludovico da Silva, pastor, terapeuta e conferencista, agora residindo na Paraíba, ele lamenta que muitas igrejas evangélicas estejam perdendo o foco em Jesus e o comprometimento com seus ensinamentos. Em função desse distanciamento do Evangelho, mensagens equivocadas estão sendo divulgadas nos púlpitos.
"Apresentam um Jesus Cristo atraente, prometem a salvação dos céus e a prosperidade na terra, sem precisar renunciar a nada. Palavras como sacrifício, pecado, arrependimento, negar-se a si mesmo foram substituídas por decretar, conquistar, saquear. Com isso, tornamos nossas igrejas prestadoras de serviços religiosos. Pregadores ungidos e comunicativos, apoio da mídia, cultos bem produzidos, testemunho de convertidos famosos, tudo isto para segurar os fiéis ariscos, prontos para criticar e mudar de igreja quando contrariados", dispara Ludovico.
Análise semelhante faz o sociólogo cristão André Botelho. Assim como o pastor Ludovico, ele pensa que muitos crentes estão à procura de mediadores de salvação, pequenos deuses intercessores. E como aqui no Brasil, muitas pessoas já tiveram contato com práticas de macumba, simpatias, etc, acabam buscando nas igrejas um paralelo estreito com esses ritos populares. "Água ungida, rosa, sal grosso abençoado, chave para pôr atrás da porta, entre outros. Esse não é o costume do protestantismo tradicional brasileiro, religião racional. Mas, o problema não está apenas nos apetrechos espirituais vendidos por troca de bênçãos nas igrejas, está também no esvaziamento da condição e do poder de pregar o genuíno Evangelho", acredita o sociólogo que vai mais além, " para quem não se garante em pregar a Palavra, tem que inventar um monte de coisas, ainda que isso sacrifique a Verdade que liberta. Posso concordar com táticas ou marketing para atrair pessoas, mas não posso concordar com o esvaziamento bíblico dos cultos e das pregações na Igreja Evangélica. O melhor seria alguns movimentos terem coragem de se nomearem como quisessem, menos Igreja Evangélica. Talvez, fast-bless ou qualquer coisa que lembre o ramo das foods", ironiza.
E essa característica de enxergar os membros como consumidores também preocupa o Pastor da Igreja Presbiteriana Chácara da Primavera em Campinas (SP), Ricardo Agreste. Ele lamenta que tais igrejas estejam divulgando um Evangelho distorcido e distante da verdade. "Estas novas igrejas não trabalham com o conceito membresia. Por conta disso, os freqüentadores tornam -se consumidores e altamente infiéis. Assim que a igreja passa a não atender suas necessidades, eles mudam com a mesma facilidade que mudamos de restaurante quando nos chateamos com o mau serviço prestado por alguém", analisa o Pastor que considera, "Por outro lado, homens e mulheres do mundo contemporâneo têm certa resistência a este modelo antigo de "membresia". Eles se engajam à causas, mas precisam de mais tempo para se filiarem à organizações. Logo, mesmo em uma igreja séria, é importante perceber que pessoas vão primeiramente se identificarem com o Evangelho, depois, com muita consideração e análise, vão aceitar se tornarem membros da igreja", pensa. Entretanto, Ricardo Agreste insiste que, independente da denominação, a mensagem divulgada deve estar de acordo com os ensinamentos bíblicos.
Seguindo a mesma linha de raciocínio, o escritor Rubem Alves faz uma comparação do que os cristãos, em tempos passados, acreditavam e temiam. "Católicos e Protestantes prometiam a salvação das almas. Naqueles tempos as pessoas tinham medo do inferno. Hoje, quem acredita no inferno? Com isso a teologia cristã clássica perdeu a credibilidade, pois ela se constrói sobre o problema da salvação da alma do fogo do inferno. Hoje, os desejos são mais mundanos, mais da terra, sarar da hérnia, da gagueira, da impotência, do câncer", analisa o escritor e provoca, "que grande transformação, a segunda pessoa da Santíssima Trindade se encarnou e morreu na cruz para que tivéssemos sucesso nos negócios. Quer ficar rico? Participe de uma bruxaria em que pastores misturam um pó dourado, dizem que é pó de ouro, num óleo e os fiéis fazem fila para fazer uma cruz com o dito óleo na testa", declara o escritor perplexo com tanta ingenuidade, e ainda afirma não entender como as pessoas acreditam em qualquer teoria que um outro diga em nome de Deus. Toda essa nova religiosidade também é percebida pelos membros de igrejas, principalmente por aqueles que já são crentes há muito tempo. Convertido há mais de 20 anos, o radialista Malta Junior é membro da Igreja Ministério Apascentar em Jacarepaguá (RJ). Segundo Malta, o que era para ser bônus tomou o lugar do essencial. Para ele, relacionamento com Deus é ter paz, salvação, frutos do espírito, inclusive curas. Com relação a essa nova postura dos crentes, o radialista atribui a uma deficiência do sistema educacional religioso e também a desinformação, "que podem criar comportamentos errados não só na igreja como em qualquer situação na vida", explica Malta. Quanto às distorções nas pregações, ele pensa que partem de "líderes preocupados em encher igrejas e sabem que oferecendo cultos com promessas imediatistas, conseguem ter lotação de público, ainda que momentaneamente", o que ele lamenta.
Num discurso mais radical, o missionário e ativista social André Fernandes, considera que, "a igreja brasileira bem como o Cristianismo institucionalizado tende a fracassar ante a sociedade pós-moderna", e justifica, "é preciso que se entenda que, assim como Jesus, a igreja d'Ele tem que deixar de excluir e incluir muito mais! Precisa agregar e deixar a Graça que não julga, mudar a relação com o mundo, não achando que somos sempre melhores! É preciso mais humildade e coragem, para seguir o mestre, que andou com os mais pobres, excluídos e injustiçados, rompendo com o "status quo", e suportando o que vier em detrimento a isso!", opina André que acredita que o verdadeiro cristão antes de buscar sucesso, luta pelas causas dos oprimidos.
Cursando o Mestrado em Teologia no Seminário Batista do Sul e Teologia na PUC do Rio de Janeiro, Silvana Venâncio explica que esse movimento que privilegia uma fé imediatista chamado pelos estudiosos de "volta ao Sagrado" se encontra com mais facilidade nas igrejas neopentecostais. Nestas igrejas existe um forte apelo para experiências emocionais dando lugar para uma religiosidade descartável, onde a opinião pessoal fica acima das verdades doutrinárias. "As pessoas se definem como evangélicas, mas desconhecem princípios básicos da Reforma como a Justificação pela Fé, por exemplo. Se na modernidade a razão era o centro da vida humana, na pós-modernidade a fé se torna o centro, porém, a fé sem razão, além de levar ao fanatismo, pode gerar um tipo de religiosidade sem compromisso com a vida e com a realidade social em volta", analisa e complementa, "as igrejas tradicionais não oferecem nenhum atrativo emocional para essas pessoas. Para fazer parte de uma igreja tradicional o novo crente precisa saber em que crer e por que ele crer dessa maneira. Afinal de contas não somos o Sal da Terra e a Luz do Mundo?", questiona Silvana que é membro da Igreja Presbiteriana Betânia da Região Oceânica em Niterói (RJ).
Orando para que esse quadro atual seja revertido, o reverendo Alcindo Almeida da Igreja Presbiteriana de Pirituba (SP), concorda que a religiosidade deste século é algo meio confuso na cabeça dos novos cristãos. Muitos deles ficam decepcionados quando descobrem que pessoas mais experientes na fé, não apresentam uma vida comprometida com a mensagem bíblica. E ainda, seus testemunhos são fracos, rasos e distantes do que ouvem nos púlpitos. "Minha grande esperança é a relação destes novos com o Evangelho. Pois, quando eles começarem a ler as Escrituras, irão encontrar prazer e o significado mais profundo para a vida espiritual deles e como conseqüência, algo de novo vai acontecer em seus corações", espera o reverendo. Sua constante oração é que "as pessoas se voltem cada vez mais para a Palavra de Deus e encontrem o alimento e crescimento necessário para a alma. E também, que os mais antigos na fé retornem para a Palavra e combinem a ética e o compromisso dela na própria vida, para serem exemplos dos fiéis como Paulo recomendou através de suas cartas ao jovem Timóteo", conclui. "As pessoas tinham medo do inferno. Hoje, quem acredita no inferno?" Sem conceito de membresia nestas novas igrejas, "os freqüentadores se tornam consumidores altamente infiéis".

Por Danielle Franco

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