segunda-feira, 30 de junho de 2008

A Lectio Divina e a Nova Trindade


Fui ao anjo, dizendo-lhe: Dá-me o livrinho. E ele disse-me: Toma-o e come-o, e ele fará amargo o teu ventre, mas na tua boca será doce como mel. Tomei o livrinho da mão do anjo e o devorei, e, na minha boca, era doce como mel; quando, porém, o comi, o meu estômago ficou amargo. (Ap 10:9-10)
Não fosse a companhia dos livros, as noites insones por conta do ar rarefeito das montanhas do Colorado seriam mais torturantes. Na altitude em que estava o oxigênio não é tão farto e o sono custa a chegar. Todavia, os dias passados em solitude, silêncio e meditação neste retiro promovido pelo RENOVARE (organização cristã fundada e presidida pelo escritor Richard Foster), que tive o privilégio de participar, compensavam as noites mal dormidas.O novo livro de Eugene Petterson cujo sugestivo título é Eat this Book (COMA ESTE LIVRO) tem sido o meu companheiro noturno. Petterson é um pastor e escritor americano que com seus escritos tem influenciado um número significativo de leitores. Seus livros até então, na sua maioria, foram direcionados para pastores convidando-os a pensar e repensar a vocação pastoral. Eugene tem se constituído, ao lado de outros, em um modelo de resistência as práticas pastorais comprometidas e medidas por um “sucesso”, muitas vezes conseguido a qualquer preço. O curioso é que em recente entrevista ele afirmou que está desistindo de escrever somente para pastores, por isso mesmo, iniciou uma série de livros sobre Teologia Espiritual, focando o público em geral. Coma este Livro, é o segundo desta série.Minha especial atração por este livro se deu pelo fato de nele Petterson falar de uma prática espiritual que nos últimos anos tenho procurado viver. Trata-se de uma forma de ler a Bíblia nascida em meio à tradição dos Pais do Deserto e chamada Lectio Divina (Leitura Divina) que poderia também se chamar Leitura Espiritual. A Lectio Divina é uma maneira de ler o texto bíblico na qual o silêncio e a meditação da palavra lida, mastigada, comida exige de nós uma ressonância, uma resposta pessoal, um compromisso na primeira pessoa. Na Lectio Divina a ênfase não é o estudo racional ou teológico do texto, nem tampouco uma busca superficial e rápida de inspiração para viver o cotidiano, antes é um convite a deixar a palavra de Deus penetrar as câmaras mais profundas da nossa alma e ali fazer morada. Não se consegue tal leitura se não pela via do coração, da devocinalidade, da meditação, do silêncio, da solitude. E antes que os profetas do pragmatismo levantem suas questões de ordem prática, como para que serve tal leitura, lembremos que esta palavra comida vai metabolizar-se em nossa vida através de atos e atitudes capazes de refletir a presença do Pai que nos serve na sua palavra um eterno banquete; de Jesus, o filho, a palavra que se fez carne, pão e vinho; e do Espírito Santo, o Deus que habitando em nós é capaz de saciar nossa fome mais primitiva de amor e significado. Entendendo que a Bíblia existe primordialmente para revelar a Trindade, Petterson então fala-nos de uma leitura formativa da Bíblia, aquela na qual a presença do Pai, do Filho e do Espírito Santo vai nos formando espiritualmente em sua imagem. Na verdade, nesta leitura formativa, nós é que somos lidos e formados pelo texto e não ao contrário, sendo a Lectio Divina o meio por excelência através do qual podemos exercitá-la. Sendo assim, nossa vida é formada por um texto além e acima de nós e não por nós mesmos.O principal obstáculo para que tal leitura formativa aconteça está no fato de que em nossos dias há uma tendência na qual o nosso ego com suas múltiplas necessidades se torna o “texto” autoritativo a partir do qual a minha vida é formada. É este enlevamento do Eu ao patamar divino que Petterson chama de uma Nova Trindade. Assim o Pai, o Filho e o Espírito Santo é substituído por uma trindade individual e pessoal composta pelas minha santas vontades, santas necessidades e santos sentimentos:  Nesta nova trindade, somos ensinados a orar dizendo seja feita a minha vontade. Somos treinados a pensar em grandes coisas, posto que somos grandes, importantes e significativos. Somos maior do que nossa própria vida e por isso temos necessidades de mais e mais bens e serviços, mais coisas, mais poder. Consumir e obter tornam-se os novos frutos do Espírito. Nesta nova trindade minhas necessidades são inegociáveis. Minha necessidade de plenitude, de expressão, de afirmação, de satisfação sexual, de respeito, de trilhar meu próprio caminho, vão fortificando a essência do meu ego.  Nesta nova trindade, nossos sentimentos ditam quem somos. Terminamos sendo aquilo que sentimos. Qualquer coisa ou pessoa capaz de promover êxtase, excitação, alegria, estímulo, fortalece a soberania do nosso eu, ainda mais quando tudo isso se reveste de espiritualidade e Deus se torna nosso cúmplice mais direto. Obviamente que isto envolve uma variedade e quantidade de coisas e pessoas, desde terapeutas a agentes de viagem; desde de computadores as mais variadas bugigangas tecnológicas; recreação, entretenimento, enfim um pacote de coisas que no final das contas eu trago para minha vida a fim de exorcizar os demônios do descontentamento, do vazio e da falta de sentido.Não tenhamos dúvida que, esta soberania do ego expressa nas três “pessoas” (nossas vontades, necessidades e sentimentos) desta nova “santíssima” trindade, faz de nós mesmos e não da Bíblia reveladora da Trindade, o texto autoritativo pelo qual vivemos nossa vida! Engana-se porém, quem pensa que neste contexto a Bíblia deixa de ser lida, ela é lida sim, mas sua mensagem é tragada pela nossa santa vontade, necessidade e sentimento, transformando-se em um subproduto de quem somos. Ao invés de sermos formados pela Trindade da Bíblia, a Bíblia é formada pela trindade do nosso Ego.A Lectio Divina pode ser então resgatada das areias quentes do deserto e atualizada no nosso cotidiano, como um dos mais vivos e poderosos meios pelos quais a Trindade pode ir nos formando espiritualmente. Para tanto, não basta ler, é preciso como Jeremias (Jer 15:16), Ezequiel (Ez 2;8; 3;3) e o apóstolo João comer este livro (Ap 10:9-10), e então veremos fluir a verdadeira Trindade com sua maravilhosa força de ir nos formando todos os dias à sua imagem e semelhança.
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EDUARDO ROSA PEDREIRA é pastor da Comunidade Presbiteriana da Barra da Tijuca e professor da Fundação Getúlio Vargas.

Nossa responsabilidade de zelar pelo evangelho


- Texto para reflexão: (II Timóteo 1.12b-18).


Deixando de lado, por enquanto, a segunda parte do versículo 12, chegamos à dupla exortação de Paulo a Timóteo, nos dois versículos seguintes: “Mantém o padrão das sãs palavras que de mim ouviste” (v. 13); “guarda o bom depósito, mediante o Espírito Santo que habita em nós” (v. 14). Aqui Paulo se refere ao evangelho, à fé apostólica, usando duas expressões. O evangelho é tanto um padrão de sãs palavras (v. 13), como um depósito precioso (v. 14).“Sãs” palavras são palavras “saudáveis”. A expressão grega é empregada nos evangelhos nos casos de pessoas curadas por Jesus. Anteriormente eram deformes ou doentes; agora estavam bem ou “sãs”, por não ser mutilada ou enferma, mas “sadia”, ou “completa”. É o que Paulo mencionara, anteriormente, como sendo “todo o desígnio de Deus” (Atos 20:27).Além disso, essas “sãs palavras” foram dadas por Paulo a Timóteo num “padrão”. A palavra grega aqui é hypotyposis. A BLH traduz por “exemplo”. E o Dr. Guthrie diz que ela significa um “esboço rápido, como o faria um arquiteto, antes de lançar no papel os planos detalhados de uma construção” [15]. Neste último caso Paulo estaria sugerindo a Timóteo que ampliasse, expusesse e aplicasse o ensino apostólico. Parece-me que essa interpretação não se harmoniza com o contexto, principalmente num confronto com o versículo seguinte. A única outra ocorrência de hypotyposis no Novo Testamento encontra-se na primeira carta de Paulo a Timóteo, onde ele descreve a si mesmo como um objeto da maravilhosa misericórdia e da perfeita paciência de Cristo, como um “exemplo dos que haviam de crer nEle” (1:16). Arndt e Gingrich, que optaram por “modelo” ou “exemplo” como sendo a tradução usual, sugerem que essa palavra é empregada mais com o sentido de “protótipo” em 1 Timóteo 1:16 e com o sentido de “padrão” em 2 Timóteo 1:13. Neste caso Paulo estaria ordenando a Timóteo que conservasse como um padrão as sãs palavras, isto é, “como um modelo de ensino sadio”, aquilo que ouvira do apóstolo. Isto certamente corresponde ao ensino geral da carta e reflete fielmente a ênfase da sentença na primeira palavra, “modelo” ou “padrão”.Assim, o ensino de Paulo deve ser uma regra ou diretriz para Timóteo, da qual este não deve se afastar. Pelo contrário, deve obedecer a essa regra, ou melhor, deve apegar-se a ele com firmeza (eche). E assim deve proceder “na fé e no amor que há em Cristo Jesus”. Isto é, Paulo não está tão preocupado com o que Timóteo deve fazer, mas sim como o modo como ele o fará. As convicções doutrinárias de Timóteo e a instrução recebida de outros, assim como as que reteve firmemente dos ensinos de Paulo, devem ser manifestas com fé e amor. Timóteo deve procurar estas qualidades em Cristo: uma crença sincera e um amor pleno.A fé apostólica não é somente um “padrão de sãs palavras”; é também o “bom depósito” (he kale paratheke). Ou como expressa a BLH: “as boas coisas que foram entregues a você”. Sim, o evangelho é um tesouro, depositado em custódia na igreja. Cristo o confiou a Paulo; e Paulo, por sua vez, o confiou a Timóteo.Timóteo deveria “guardá-lo”. É precisamente o mesmo apelo que Paulo lançou no final da sua primeira carta (6:20), com a única diferença de que agora ele o chama de “bom”, literalmente “belo” depósito. O verbo (phylasso) tem o sentido de guardar algo “para que não se perca ou se danifique” (AG). É empregado com a idéia de guardar um palácio contra saqueadores, e bens contra ladrões (Lucas 11:21; Atos 22:20). Fora há hereges prontos a corromper o evangelho e desta forma roubar da igreja o inestimável tesouro que lhe foi confiado. Cabe a Timóteo colocar-se em guarda.Deveria ele guardar o evangelho com toda a firmeza possível em vista do que acontecera em Éfeso (a capital da província romana da Ásia) e seus arredores, onde Timóteo se encontrava (v. 15). O tempo aoristo do verbo “me abandonaram” parece referir-se a um acontecimento especial. É mais provável que tenha sido o momento da segunda detenção de Paulo. As igrejas da Ásia, onde trabalhara por vários anos, tornaram-se muito dependentes dele, e talvez a prisão do apóstolo lhes tenha incutido a idéia de que a fé cristã agora estava perdida. A reação deles talvez tenha sido repudiar Paulo ou recusar-se a reconhecê-lo. De Figelo e Hermógenes nada sabemos de concreto, mas a menção de seus nomes nos indica que possivelmente eles tenham sido os cabeças da oposição. De qualquer modo, Paulo via nesse afastamento das igrejas da Ásia mais do que uma simples deserção pessoal dele; era, sim, uma rejeição à autoridade apostólica. Deve ter-lhe sido algo bastante sério, principalmente porque alguns anos antes, durante a sua permanência em Éfeso por dois anos e meio, Lucas registra que “todos os habitantes da Ásia ouviram a palavra do Senhor, e muitos creram” (Atos 19:10). Agora “os que estão na Ásia” haviam voltado as costas para Paulo. A um grande despertamento seguiu-se uma grande deserção. “A todos os olhos, menos aos da fé, deve ter parecido que o evangelho estava às vésperas da extinção” [16].Uma grande exceção parece ter sido um homem chamado Onesíforo, o qual repetidas vezes acolhera Paulo em sua casa (literalmente “reanimou-o”, v. 16) e que, em Éfeso, prestara-lhe muitos serviços (v. 18). Onesíforo permanecera, desde modo, fiel ao significado do seu nome: “portador de préstimos”. Além disso, não se envergonhara das algemas de Paulo (v. 16), o que dá a entender que não repudiou a Paulo quando preso, e que o seguiu, e mesmo o acompanhou a Roma, procurando-o até encontrá-lo no calabouço. Paulo tinha boas razões para ser grato por este amigo fiel e corajoso. Não é surpreendente, pois, que se expresse por duas vezes em oração (vs. 16, 18), primeiro por sua casa (“conceda o Senhor misericórdia à casa de Onesíforo”) e depois, especificamente, por Onesíforo (“O Senhor lhe conceda, naquele dia, achar misericórdia da parte do Senhor”).Vários comentaristas, notadamente católicos romanos, partindo das referências à casa de Onesíforo (mencionada novamente em 4:19) e à expressão “naquele dia”, têm argumentado que Onesíforo àquela altura estava morto e que, por conseguinte, no versículo 18 temos uma oração em favor de um falecido. Isto, na verdade, não passa de uma simples e gratuita conjectura. O fato de Paulo mencionar primeiro Onesíforo e depois sua casa não dá a entender necessariamente que estejam eles separados em virtude de sua morte; é mais viável crer que fosse devido à distância: Onesíforo estava ainda em Roma, enquanto que sua família permanecia em casa, em Éfeso. “Considero que é uma oração em separado pelo homem e por sua família”, escreve o Rev. Moule, “por estarem então separados um do outro, por terras e mares...Não há necessidade alguma de interpretar que Onesíforo tivesse morrido. A separação de sua família, por uma viagem, isso é o que se depreende da passagem”. [17]Em todo o caso, todos na Ásia, como Timóteo estava bem ciente, voltaram as costas ao apóstolo, com exceção do leal Onesíforo e de sua família. Era em tal situação de apostasia quase universal que Timóteo deveria “guardar o bom depósito” e “manter o padrão das sãs palavras”, ou seja, deveria preservar o evangelho imaculado e genuíno. Já seria uma grande responsabilidade para qualquer um, quanto mais para alguém com o temperamento de Timóteo. Como poderia então permanecer firme?O apóstolo dá a Timóteo a base segura de que ele necessita. Timóteo não pode pensar em guardar o tesouro do evangelho com força própria; somente poderá fazê-lo “mediante o Espírito Santo que habita em nós” (v. 14). A mesma verdade é ensinada na segunda parte do versículo 12, que até aqui ainda não consideramos. A maior parte dos cristãos está familiarizada com a tradução “porque sei em quem tenho crido, e estou certo de que ele é poderoso para guardar o meu depósito até aquele dia”. Essas palavras são verdadeiras e muitas outras passagens bíblicas as confirmam; quanto à estrutura linguística, foram traduzidas acuradamente. De fato, tanto o verbo “guardar” como o substantivo “depósito” são precisamente as mesmas palavras no versículo 12 e no versículo 14 e ainda em 1 Timóteo 6:20. Presume-se, então, que “o meu depósito” não é o que eu lhe confiei (minha alma ou eu mesmo, como em 1 Pedro 4:19), mas aquilo que ele confiou a mim (o evangelho).O sentido, pois, é este: Paulo podia dizer que o depósito é “meu”, porque Cristo lho confiou. Contudo, Paulo estava persuadido de que era Cristo que iria conversá-lo seguro “até aquele dia”, quando ele teria de prestar contas da sua mordomia. Em que se baseava a sua confiança? Somente numa coisa: “eu o conheço”. Paulo conhecia a Cristo, em quem confiava, e estava convencido da capacidade dele para manter o depósito em segurança: “porque sei em quem tenho crido, e estou bem certo de que ele é poderoso para guardar o meu depósito até aquele dia” (v. 12). Cristo cuidará do depósito. E agora Paulo o está confiando a Timóteo. E Timóteo pode ter esta mesma segurança.Aqui há um estímulo muito grande. Em última análise, é Deus mesmo quem preserva o evangelho. Ele se responsabiliza por sua conservação: “Sobre qualquer outro fundamento a obra da pregação não se sustentaria nem por um momento” [18]. Podemos ver a fé evangélica encontrando oposição em toda parte, e a mensagem apostólica sendo ridicularizada. Talvez vejamos uma crescente apostasia crescer na igreja, muitos de nossa geração abandonando a fé de seus pais. Mas não temos nada a temer! Deus nunca permitirá que a luz do evangelho apague. É verdade que ele o confiou a nós, frágeis e falíveis criaturas. Ele colocou o seu tesouro em frágeis vasos de barro, e nós devemos assumir a nossa parte na guarda e na defesa da verdade. Contudo, mesmo tendo entregue o depósito aos cuidados de nossas mãos, Deus não retirou as Suas mãos desse depósito. Ele mesmo é, afinal, o Seu melhor vigia; Ele saberá preservar a verdade que confiou à Igreja. Isto nós sabemos, porque sabemos em quem depositamos a nossa confiança, e em quem continuamos a confiar.Vimos que o evangelho é a boa nova da salvação, prometida desde a eternidade, concretizada na História por Cristo, e oferecida à fé.A nossa primeira responsabilidade reside na comunicação do evangelho, fazendo uso de velhos métodos ou procurando novos caminhos para torná-lo conhecido por todo o mundo.Se assim procedermos, certamente sofreremos por ele, já que o autêntico evangelho nunca foi popular. Ele humilha muito o pecador.E ao sermos chamados a sofrer pelo evangelho, somos tentados a adaptá-lo, a eliminar aqueles elementos que ofendem e provocam oposição, a silenciar as notas que ferem os sensíveis ouvidos modernos.Mas devemos resistir a esta tentação. Pois, antes de tudo, fomos chamados a guardar o evangelho, conservando-o puro, a qualquer preço, preservando-o de toda corrupção.Guardá-lo fielmente. Difundi-lo ativamente. Sofrer corajosamente por ele. Esta é a nossa tríplice responsabilidade perante o evangelho de Deus, de acordo com este primeiro capítulo.

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John R. W. Stott é conhecido pregador e estudioso da Palavra. Pastoreou por vários anos a Igreja de All Souls em Londres. É diretor do London Institute for Contemporary Christianity e autor de diversos livros como “A mensagem do sermão do Monte”, “A mensagem de Efésios” e “Crer é também Pensar”.

domingo, 29 de junho de 2008

O Senhor é meu Pastor


O salmo 23, O Senhor é meu pastor: nada me falta é um dos mais conhecidos. Foi o mais comentado na tradição e o mais assimilado na piedade popular. E há boas razões para isso. Pois trata-se de um salmo que une simplicidade com enlevo lírico e espiritual de forma extremamente bem-sucedida.
A transparência e a comoção que ele desperta fizeram com que, em todos os tempos, o salmo 23 ganhasse admiradores e devotos. Foi e é orado por pessoas de todas as tradições religiosas e por aqueles que, mesmo sem adesão a um credo, alimentam uma dimensão espiritual em suas vidas.Vamos aqui analisar o salmo como um todo e cada um de seus versos, tentando extrair o ouro escondido nessa mina tão antiga e tão contemporânea. Para isso nos servem os tantos estudos feitos ao longo do tempo, aos quais, em sua grande maioria, tivemos acesso. Mas não queremos fazer obra de erudição como quem disseca uma flor.
A natureza poética do salmo pede que desenvolvamos em nós o mesmo tipo de sentimentos.Os salmos emergem da vida com suas contradições, com suas luzes e com suas sombras. O salmo 23, por estar enraizado na vida real, não escapa desta mesma dialética. Ele tem como pano de fundo um drama: há o vale tenebroso, vale da morte, há inimigos, há perseguição. É no contexto desta situação que Deus comparece como pastor e como hospedeiro. Ele nos assegura: ‘Eu estou contigo’, ‘nada te falta’ e ‘habitarás na Casa do Senhor todos os dias de tua vida’. Porque há temor, medo e perseguição, experimenta-se a proximidade de Deus, como pastor e como hospedeiro que prontamente nos socorre e reanima nossas forças.
O salmo assegura: Deus toma partido. Ele está de um lado da contradição, do lado de quem teme e é perseguido. Por isso podemos serenar e ficar confiantes."
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Leonardo Boff nasceu em Concórdia, Santa Catarina, em 1938. Autor de mais de 60 livros, atualmente é professor emérito de ética e de ecologia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro e membro da Comissão da Terra.

O grande pecado......


Em se tratando de moral cristã, há uma parte que difere mais nitidamente de todas as demais religiões. É aquela que trata do pecado do qual ninguém neste mundo escapa; um pecado que todos detestam nos outros e do qual quase ninguém, exceto os cristãos, tem a consciência de cometer. Sei de pessoas que admitem ter mau gênio, que sabem que perdem a cabeça em se tratando de mulher ou de bebida e que reconhecem até mesmo que são covardes. Entretanto, acho que nunca ouvi uma pessoa que não fosse cristã se acusar deste pecado. Ao mesmo tempo, como é difícil encontrar pessoas (não cristãs) que demonstrem um mínimo de benevolência para com os que o cometem! Não há falta que torne a pessoa mais impopular, nem falta de que tenhamos menos consciência em nós mesmos. E quanto mais forte essa falta for em nós mesmos, tanto mais ela nos desagradará nos outros.O pecado a que me refiro é o orgulho ou presunção; a virtude que lhe é oposta, na moral cristã, chama-se humildade. Ter moralidade sexual, embora importante, não é o centro da moral cristã. De acordo com os mestres do Cristianismo, o pecado principal, o supremo mal, é o orgulho. A falta de pureza, a ira, a ganância, a embriaguez e tudo o mais, em comparação com ele, são ninharias. Foi pelo orgulho que o demônio tornou-se o demônio. O orgulho conduz a todos os outros pecados: é o mais completo estado de alma anti-Deus. Por Que o Orgulho é Pior?Você acha que estou exagerando? Se acha, pense bem no caso. Observei há pouco que quanto mais orgulho se tem, mais este pecado nos desagrada nos outros. De fato, se quisermos descobrir o quanto somos orgulhosos, o método mais fácil é perguntar a nós mesmos: “Quanto me desagrada ver os outros me desprezarem, recusarem-se a me dar qualquer atenção, intrometerem-se em minha vida, tratarem-me com ares paternais ou se exibirem com ostentação?” O problema é que o orgulho de cada um compete com o orgulho de todos os demais. É porque eu queria ser o “destaque” da festa que me aborreço tanto quando um outro é que ficou em proeminência. Dois bicudos não se beijam. O ponto aqui é que o orgulho é essencialmente competidor; é competidor por sua própria natureza, enquanto que os outros pecados são, por assim dizer, competidores apenas por acaso. O orgulho não sente prazer em possuir algo, mas apenas em possuir mais do que o próximo. Dizemos que alguém tem o orgulho de ser rico, ou de ser inteligente ou de ter boa aparência, mas não é assim. A pessoa tem o orgulho de ser mais rica, mais inteligente ou de melhor aparência do que os outros. Se todo o mundo se tornasse igualmente rico, inteligente ou de boa aparência, não haveria nada do que se orgulhar. É a comparação que nos torna orgulhosos: o prazer de estar por cima dos outros. Não havendo o fator competição, o orgulho desaparece. Esta é a razão pela qual eu disse que o orgulho é essencialmente competidor de uma maneira em que os outros pecados não o são. O instinto sexual poderá levar dois homens à competição, se ambos desejarem namorar a mesma garota. Mas isso é apenas acidental; poderiam da mesma forma ter desejado duas garotas diferentes. Contudo, o homem orgulhoso procurará tirar a garota do outro, não porque a queira, mas para provar a si mesmo que é melhor do que o outro. A ganância poderá levar à competição se não houver o bastante para todos; mas o orgulhoso, mesmo depois de ter mais do que desejava, tentará conseguir ainda mais simplesmente para afirmar o seu poder. Quase todos os males do mundo atribuídos à ganância ou ao egoísmo são, na verdade, muito mais o resultado do orgulho.Exemplifiquemos com o caso do dinheiro. A ganância certamente fará com que se deseje dinheiro para ter uma casa melhor, melhores férias, melhores alimentos e bebidas. Mas isso só vai até um certo ponto. O que é que faz um executivo, que já ganha um salário elevado, ficar ansioso por ganhar ainda o dobro? Certamente não é a ganância de maiores prazeres. O que ele ganha dá para comprar todos os bens ou prazeres de que alguém possa usufruir. É o orgulho, o desejo de ser mais rico do que alguém que também é rico, e (mais ainda) o desejo de ter poder. Porque é no poder que o orgulho mais se deleita. Não há nada mais que faça alguém se sentir superior em relação aos demais do que o ser capaz de movê-los como soldadinhos de chumbo. O que é que faz com que uma bela mulher espalhe tristeza por onde passa, pelo simples fato de despertar admiradores? Não é, certamente, o seu instinto sexual, porque essa espécie de mulher é muitas vezes frígida sexualmente. É o orgulho. O que é que faz um líder político, ou toda uma nação, prosseguir indefinidamente querendo cada vez mais? Outra vez, o orgulho. O orgulho é competidor por natureza; por isso ele não pára nunca. Se eu for orgulhoso, enquanto existir no mundo alguém mais poderoso, ou mais rico, ou mais inteligente do que eu, esse será meu rival e inimigo. E o Orgulho no Cristão?Os cristãos têm razão: o orgulho tem sido a principal causa da miséria em todas as nações e em todas as famílias desde que o mundo é mundo. Outros pecados, às vezes, podem unir as pessoas: pode-se encontrar companheirismo, brincadeiras e afabilidade entre os que se dão à embriaguez ou são devassos. Mas o orgulho sempre significa inimizade: é inimizade. E não apenas inimizade entre um homem e outro, mas inimizade contra Deus.Em Deus, encontramos alguém que nos é infinitamente superior em todos os aspectos. A menos que reconheçamos a Deus como tal – e, conseqüentemente, a nós mesmos como um nada em comparação a ele –, não conhecemos a Deus, absolutamente. Enquanto você for orgulhoso, não poderá conhecer a Deus. Um orgulhoso está sempre olhando de cima para pessoas e coisas; e, é claro, quem está olhando para baixo não pode ver o que está acima de si mesmo. Surge então um terrível problema. Como é possível haver pessoas evidentemente corroídas pelo orgulho, que dizem crerem em Deus e que se têm na conta de muito religiosas? Receio que isso signifique que estão adorando a um Deus imaginário. Teoricamente admitem que nada são em relação a esse Deus fantasma, mas estão sempre a imaginar que em tudo são por ele aprovadas e que por ele são consideradas muito melhores do que as pessoas comuns. Ou seja, tributam um mínimo de humildade imaginária a esse Deus e tiram disso um máximo de orgulho em relação a seus semelhantes. Creio que era nessa gente que Cristo pensava ao dizer que alguns pregariam em seu nome e em seu nome expulsariam demônios, apenas para que lhes seja dito no fim do mundo que ele nunca os conheceu. E qualquer um de nós pode cair nessa armadilha mortal a qualquer momento. Felizmente, temos um teste à nossa disposição. Sempre que a nossa vida espiritual nos faz pensar que somos bons ou, sobretudo, que somos melhores do que os outros, podemos ter certeza de que não é Deus que está atuando em nossas vidas, mas sim o demônio. A verdadeira prova de estar na presença de Deus é quando nos esquecemos completamente de nós mesmos ou quando nos consideramos um pequeno e vil objeto. É preferível esquecermo-nos completamente.Vencendo Outros Pecados Pelo OrgulhoÉ terrível que o pior dos pecados possa penetrar em nosso ser, tal qual um produto contrabandeado, até atingir o próprio centro da nossa vida espiritual! Mas não é difícil entender como isso acontece. Os outros pecados, menos nocivos, provêm da atuação do diabo em nossa natureza animal. Já o orgulho não penetra em nós através de nossa natureza animal, absolutamente. Vem diretamente do inferno! É puramente espiritual e, conseqüentemente, muito mais sutil e mortal. É por esse mesmo motivo que o orgulho pode ser usado, muitas vezes, para subjugar os pecados mais simples. Os professores, de fato, apelam muitas vezes ao orgulho (ou, como dizem, ao “amor próprio”) dos seus alunos para motivá-los a se comportarem de forma apropriada; muita gente tem vencido assim a covardia, a luxúria e o mau gênio, aprendendo a pensar que essas coisas não condizem com a sua dignidade. Em outras palavras, superaram por meio do orgulho! O demônio ri. Ele não tem problema algum em ver alguém se tornar moralmente puro, corajoso e disciplinado, contanto que consiga estabelecer nele a ditadura do orgulho – assim como não faz questão alguma de impedir que alguém seja curado de um resfriado, se lhe fosse permitido, em contrapartida, colocar nele um câncer. Pois o orgulho é um câncer espiritual: corrói a própria possibilidade do amor, do contentamento e até do bom senso. Identificando a HumildadeAntes de deixar este assunto, preciso precaver-me contra alguns mal-entendidos: (1) O prazer de ser louvado não é orgulho. A criança que recebe sinais de afeto por ter feito bem a lição; a mulher cuja beleza é louvada por aquele que a ama; a alma que se salvou e à qual Cristo diz: “Muito bem, servo bom e fiel”; todos esses são, e devem ser, agraciados. Pois aqui o prazer reside não no que somos, mas em agradar a quem desejamos (corretamente) agradar. O mal começa quando, depois de pensarmos: “Eu o agradei, que bom”, passarmos a pensar: “Como devo ser bom, por ter conseguido agradá-lo assim!” (2) Dizemos muitas vezes que fulano tem “orgulho” de seu filho, ou de seu pai, ou da sua escola ou do seu regimento; a pergunta que surge agora é: “orgulho”, nesse sentido, é pecado? A resposta vai depender do que queremos dizer com a palavra “orgulho”. Muitas vezes, empregamos esta palavra para dizer que “temos uma sincera admiração”. Tal sentimento está muito longe de ser pecado. Mas pode acontecer que a pessoa em questão se ache muito importante por ter um pai ilustre ou por estar num famoso regimento. Isso já seria, claramente, um erro; mesmo assim, é melhor do que simplesmente ter orgulho de si mesmo. Amar e admirar algo que não seja a si mesmo é recuar um passo da total ruína espiritual; todavia não estamos bem enquanto amamos e admiramos alguma coisa mais do que amamos e admiramos a Deus.(3) Não se deve pensar que Deus proíbe o orgulho porque o ofende, ou que exige a humildade como elemento necessário para sua própria dignidade, como se o próprio Deus fosse orgulhoso. Ele não está, nem por um instante, preocupado com a sua própria dignidade. A questão é que Deus quer que o conheçamos, quer se dar a nós. E a relação entre nós e Deus é de uma natureza tal que, se tivermos qualquer espécie de contato real com Deus, nós nos tornaremos, de fato, humildes – prazerosamente humildes, sentindo o infinito alívio de termos nos livrado de uma vez por todas da absurda bobagem de nossa própria dignidade, que nos fez ansiosos e infelizes por toda a vida. Deus procura fazer-nos humildes a fim de tornar possível este momento: ele quer nos ajudar a tirar todas essas tolas e absurdas fantasias com que nos enfeitamos, andando por aí todo empertigados como os pequenos idiotas que somos. Eu mesmo gostaria de ter caminhado mais nessa área de humildade; se tivesse, com certeza conseguiria expressar-me melhor sobre o alívio e o prazer de tirar a fantasia, de livrar-me do falso eu com todos os seus “Olhem para mim” e “Não acham que sou uma boa pessoa?” e com todo o seu artificialismo e jactância. Conseguir chegar perto disso, nem que seja por um momento, é como um copo de água fresca no deserto.(4) Não pense que, se você conhecer um homem verdadeiramente humilde, ele será o que as pessoas chamam de “humilde” hoje em dia: aquele tipo escorregadio e bajulador que repete constantemente que não é ninguém. Provavelmente, a impressão que uma pessoa humilde deixará é de alguém muito alegre e inteligente, que demonstrou sincero interesse pelo que você lhe contou. Se você não gostou dele, é porque sentiu um pouco de inveja de alguém que parece ter prazer na vida com tanta facilidade. Ele não é do tipo que pensa em humildade; aliás, não chega nem mesmo a pensar em si próprio.A quem queira adquirir a humildade, acho que posso ensinar-lhe o primeiro passo. É compreender que é orgulhoso. E este não é um passo insignificante. Pelo menos nada, nada mesmo, pode ser feito até que se chegue nesse lugar. Se você acha que não é orgulhoso, é sinal de que, na realidade, é extremamente orgulhoso.
(Extraído de “Cristianismo Puro e Simples”).
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C.S. Lewis (1898-1963) foi um dos gigantes intelectuais do século XX e tornou-se um dos mais fluentes escritores cristãos. Foi professor da Universidade de Oxford e da Universidade de Cambridge. Suas valiosas contribuições nos campos da crítica literária, literatura infantil, literatura de ficção e teologia trouxeram-lhe notoridade e prestígio.

Uma viagem em busca de significado


Estive no 3º Congresso de Teologia Vida Nova, que versou sobre a questão da hermenêutica. Sabe como é, temos tantas pregações e formas de igrejas que, a menos que entendamos de onde cada um – quando diante da Bíblia – tira a sua mensagem, chegaremos a um estado de absoluta impossibilidade de nos entendermos. Serão discursos sem som e sem sinais, falas ininteligíveis. O encontro foi uma tentativa de, pela compreensão dos métodos de interpretação dos vários atores, construir pontes. Mas o congresso foi muito além de seu objetivo inicial, de ser algo descritivo, e partiu para a formulação de propostas. Paulo Romero nos informou que os pentecostais estão fazendo autocrítica e, sem abandonar a experiência, estão buscando formular uma hermenêutica consistente. Esta é uma boa e bem-vinda notícia. Já o Prof. Leonildo Campos fez-nos ver que os neo-pentecostais não têm uma hermenêutica. Têm um negócio onde o texto deve emular uma fé que permita ao crente esfregar a lâmpada mágica que aprisiona Deus na aridez de sua soberania e o aprisionar ao possuidor da fé – embora eles digam “está amarrado” ao diabo, é a Deus que querem amarrar. Entrementes, foram devidamente denunciados o liberalismo e o seu sucedâneo, o neo-liberalismo (Julio Zabatiero), assim como o subjetivismo (Estevan Kirschner), ainda que a subjetividade tenha sido valorizada. Graças a ótima explanação da Dra. Tereza Cavalcante, nos demos conta de como o Vaticano II protestantizou um segmento significativo do catolicismo, a ponto de relativizar a figura de Maria e de gerar uma nova onda de mártires. Morrendo por Jesus e por seus pobres, esses novos católicos nos desafiam a demonstrar a relevância de nossa fé. A cultura, principalmente na exposição de Donald Price, e o povo (Teresa Cavalcanti) receberam, finalmente, a honra que lhes é devida, como mediadores da leitura do texto sacro. Surpresas 1 - Apesar de todo o preconceito que se possa urdir sobre pensadores do "terceiro mundo", habemos inteligentia, i.e., temos eruditos de qualidade incontestável. Assistimos um show após o outro, uns mais show do que outros, mas todos brilhantes. 2 - O método histórico-gramatical e o método histórico-crítico foram, tanto por Julio Zabatiero como por Luiz Sayão, denunciados como farinha do saco iluminista e instados a se reciclarem, ainda que o histórico-gramatical tenha sido apontado (Sayão) como sendo dos males o menor. 3 - O fundamentalismo sociológico, demonstrou-o Zabatiero, é neo-liberal, logo não evangélico – "Os extremos se encontram", já disse Aquino. 4 - Foi nos revelado – pelo menos foi isso que se depreendeu da palestra de Luiz Sayão – que apesar da antipatia que os neo-pentecostais parecem despertar são eles os verdadeiros herdeiros de Schleimacher, Heidegger, Bultman e Nietzsche, pois, como sugerido por estes, tomaram o texto sacro para si sem nenhuma consideração para com a intenção dos autores, sejam os mediatos ou o Autor por excelência. 5 - Quase todos, até os mais ortodoxos atacaram a teologia sistemática – parece que todos desistiram de uma explicação que compreenda o todo. Será ponto para os existencialistas e para os filósofos da linguagem? 6 - Tivemos duas propostas desafiadoras: a amplitude da influência da cultura na formação da própria Bíblia (Donald Price) – que nos liberta de uma abordagem ingênua, nos chama a uma maior interação com o texto e com a cultura que almejamos alcançar e nos leva à maior necessidade de dependência do Espírito Santo – e uma nova hermenêutica baseada no sentido da ação (Julio Zabatiero), que, embora não tenha sido aprofundada, acena para nos libertar da modernidade, aguçando nossa curiosidade e esperança – esperemos. Permeando toda a reflexão ecoava a voz de Ricardo Agreste que, em todas as devocionais, nos instava ao temor do Senhor, uma vez que fazer hermenêutica é aventurar-se em Terra Santa, e não se faz isso impunemente. Conclusões 1- Fomos desafiados a buscar, no texto, o sentido que faça sentido para os que carecem de sentido, sem perder o sentido do texto e o sentimento de Deus. 2- Fomos colocados diante da complexidade e da tarefa da simplicidade – logo da necessidade – de caminharmos da Ciência mais em direção ao Espírito Santo, o grande tradutor da Trindade. 3 - Viva a Bíblia! Que outro livro desafia tanto? Que outro livro, mais do que a Esfinge, exige ser decifrado? Que outro livro necessita tanto ser buscado em seu sentido para que tudo tenha sentido? Todos os palestrantes, com a qualidade profundidade e relevância de suas participações, afirmaram : a Bíblia é o livro! 4- Viva o Espírito Santo! No Pentecostes, Ele deixou claro que Deus tem uma mensagem e quer ser entendido, e que Ele é o grande intérprete. E vale dizer que Ele tem conseguido se fazer entender – o que nos surpreende é que o consiga por meio de tantos métodos e que em todos eles encontre arautos e mártires. Isto nos exorta à compreensão de que só no exercício de nos ouvirmos mutuamente é que acabaremos por ouvir o Santo Intérprete. O grande desafio é lembrar que qualquer que seja o método, ele tem de se submeter ao parâmetro por excelência: amor a Deus acima de todas as coisas e amor ao próximo da forma como Cristo nos ama.
Soli Deo glori, Soli Cristo imitatio
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Ariovaldo Ramos é filósofo e teólogo, além de diretor acadêmico da Faculdade Latino-americana de Teologia Integral, missionário da Sepal e presidente da Visão Mundial. É membro da equipe editorial da Edições Vida Nova.

sábado, 28 de junho de 2008

Abraão, justificado pela fé.........


- Texto para reflexão: "Porque, se Abraão foi justificado por obras, tem de que se gloriar, mas não em relação a Deus. Pois, que diz a Escritura? Abraão creu em Deus, e isso lhe foi imputado por justiça" (Romanos 4:2,3).


Pois se Abraão foi justificado por obras.O argumento é incompleto e precisa ser posto na seguinte forma: "Se Abraão foi justificado por obras, então ele pode vangloriar-se em seu próprio mérito, porém não tem razão alguma de vangloriar-se na presença de Deus. Portanto, ele não é justificado por obras". Assim, a cláusula porém não em relação a Deus constitui a proposição menor do silogismo, e a esta deve acrescentar-se a conclusão que já expus, ainda que a mesma não esteja expressa por Paulo. Ele dá o título de ´gloriar-se´ quando pretendemos ter algo propriamente nosso que no juízo de Deus mereça recompensa. Quem dentre nós reivindicará para si a mínima partícula de mérito, quando o mesmo foi negado a Abraão? Pois, que diz a Escritura?Esta é a prova de sua proposição ou hipótese menor, na qual ele negou possuísse Abraão alguma base para gloriar-se. Se Abraão foi justificado em razão de haver abraçado a munificência divina, mediante a fé, segue-se que ele não tem por que gloriar-se, visto que não traz nada propriamente seu exceto o reconhecimento de sua própria miséria que clama por misericórdia. O apóstolo está pressupondo que a justiça procedente da fé é o referencial de obras. Se houvesse alguma justiça procedente da lei ou das obras, então ela residiria no próprio homem. Todavia, este busca na fé o que não encontra em nenhum outro lugar. Por esta razão é que corretamente se intitula: justiça imputada pela fé. A passagem citada é extraída de Gênesis 15:6, na qual o verbo crer não deve ser restringido por alguma expressão particular, mas refere-se ao pacto da salvação e à graça da adoção como um todo, os quais diz-se ter Abraão apreendido pela fé. Há mencionada ali, é verdade, a promessa de uma progênie futura, porém a mesma teve por base a adoção gratuita. Deve-se notar, contudo, que a salvação não é prometida independentemente da graça de Deus, nem a graça de Deus, independentemente da salvação. Igualmente, não somos chamados à graça de Deus, ou à esperança da salvação, sem que a justiça não seja ao mesmo tempo oferecida. Se assumirmos esta postura, torna-se evidente que aqueles que pensam estar Paulo arrancando a declaração mosaica de seu contexto, não entendem os princípios da teologia. Visto haver uma promessa específica afirmada na passagem, então entendem que Abraão agiu correta e honradamente, ao crer nela, e que por isso recebeu a aprovação divina. Sua interpretação, porém, é equivocada, aqui; primeiro, porque não percebem que crer se estende a todo o contexto, e não deve, portanto, restringir-se a uma cláusula. O principal equívoco, contudo, esta em sua falha em começar com o que se acha asseverado sobre a graça de Deus. Este conferiu a Abraão sua graça com o fim de fazê-lo ainda mais convicto da adoção divina e do favor paternal de Deus, nos quais se acha inclusa a salvação eterna através de Cristo. Por esta razão Abraão, ao crer, abraçou nada mais nada menos que a graça a ele oferecida, para que o seu crer não fosse destituído de efeito. Se isto lhe foi imputado para justiça, segue-se que a única base de sua justiça consistia em sua confiança na munificência divina e em sua ousadia em esperar todas as coisas como provindas de Deus. Moisés não relata o que os homens pensavam de Abraão, mas, sim, o caráter que ele possuía diante do tribunal divino. Abraão, pois, apoderou-se da bondade divina que lhe era oferecida na promessa, e por meio da qual percebeu que a justiça lhe estava sendo comunicada. A fim de determinar o significado de justiça, é indispensável que se entenda esta relação entre promessa e fé, porquanto existe a mesma relação entre Deus e nós, assim como judicialmente existe entre o doador e o recipiente. Alcançamos a justiça somente porque ela nos é comunicada pela promessa do evangelho, e assim discernimos que a possuímos pela fé.Já expliquei, e pretendo explicar mais plenamente, se porventura o Senhor mo permitir, quando tratar da Epístola de Tiago, como devemos conciliar a presente passagem com aquela epístola, como se houvesse entre elas alguma contradição. Cabe-nos simplesmente notar que aqueles a quem a justiça é imputada são justificados, visto que Paulo usa estas duas expressões como sinônimas. Concluímos daqui que a questão não é o que os homens increntemente são, e, sim, como Deus os considera, não porque pureza de consciência e integridade de vida são distintas do gracioso favor de Deus, mas porque, quando se busca a razão por que Deus nos ama e por que ele nos reconhece, é necessário que Cristo seja contemplado como Aquele que nos veste com sua própria justiça.

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João Calvino, nasceu a 10 de julho de 1509, na cidade francesa de Noyon. Formado em Direito em 1532, aos 23 anos era já um humanista conhecido. Em 1536 publicou as Institutas da Religião Cristã, uma grande obra que norteou a Teologia Reformada. Morreu em 27 de Maio de 1964.

A oração é o retrato do caráter


Tenho visto, com muita freqüência, crentes orando por vagas em estacionamento, de preferência uma bem em frente à loja que precisam ir, ou clamando fervorosamente para que não chova no dia do casamento ou aniversário planejado para acontecer num espaço aberto. Ouço pais pedindo oração para que Deus dê uma força para que o filho que nunca foi de estudar muito passe no vestibular ou num concurso público; ouço também crentes expressando sua gratidão a Deus por terem conseguido furar uma fila, ou vender um carro batido sem que o comprador percebesse. Orações assim são comuns em nossas igrejas. Contudo, quando reconhecemos que a oração é um meio de relacionamento, ela nos oferece um duplo retrato: de Deus e de quem ora. A oração tem um papel importante no relacionamento entre o homem e Deus, pintando tanto o caráter humano como o divino. O que falamos para Deus (súplica, gratidão, louvor, desejos e situações da vida) revelam nossas motivações, nossa moral e nosso caráter. Da mesma forma, algumas afirmações que fazemos sobre Deus na oração (amoroso, justo, misericordioso, soberano) revelam convicções sobre a natureza divina. Nem sempre nossa compreensão sobre quem é Deus revela a verdadeira natureza divina. Por exemplo, Deus se revela como um Deus justo e reto e nós o experimentamos como um Deus caprichoso e vingativo; Deus se revela como um Deus sempre presente mesmo em meio ao sofrimento, e nós o experimentamos como um Deus ausente ou distante. O retrato que fazemos de Deus certamente não é mais importante do que o retrato que Deus faz de si mesmo. A percepção humana de Deus precisa sempre ser corrigida e transformada pela auto-revelação de Deus nas Escrituras. E nossas orações quase sempre revelam também a natureza de nosso caráter. Por isso a oração é não apenas um meio de relacionamento, mas também um caminho de transformação. Elias foi reconhecido como um homem de Deus e Ezequias, como um rei fiel. O caráter de ambos foi afirmado pela oração e pela confiança em Deus em momentos de crise. Em cada caso, suas orações foram apresentadas de acordo com a situação vivida, e deram uma definição do caráter deles. Eles oravam da forma como agiam, seus atos não contradiziam suas palavras. Da mesma forma, as orações de Paulo que encontramos em suas cartas, também revelam seu caráter e sua teologia. Basta um olhar atencioso para vermos em Paulo um coração pastoral, comunitário, resignado e entregue a Deus e ao seu povo, bem como um Deus que é o Soberano Senhor, que se revela a nós por meio do seu Filho e que voltará em glória e majestade. A oração pinta um retrato de Deus e de quem ora. Se prestarmos atenção na forma e conteúdo da oração, seja aquela que fazemos na igreja, publicamente ou em grupo, ou a que fazemos sozinhos no quarto, teremos um retrato muito fiel e real da igreja, nosso e daquilo que pensamos sobre Deus e sobre seu propósito para a igreja e o mundo. Provavelmente os pais que oram para que Deus dê uma mãozinha para que o filho preguiçoso passe no vestibular negam em suas orações o caráter justo de Deus, e se revelam também como pessoas que pouco se importam com a justiça. Tornam-se capazes de atribuir a Deus a “bênção” de um negócio ilícito. E orações suplicando a Deus para que não chova apenas para não estragar a festa ou o penteado, as férias na praia ou o churrasco no sábado, revelam o caráter egoísta de quem ora e a concepção de um Deus que não passa de um mágico cósmico. Se queremos saber quem somos, o que pensamos sobre Deus, quais são nossas motivações primárias e a raiz do nosso caráter, basta um olhar honesto para a nossa vida de oração, que revela tanto a teologia como a antropologia. Porém, a oração não apenas revela as distorções antropológicas e teológicas, mas também é a forma e o caminho para corrigir essas distorções. Pior do que orar errado é não orar. Enquanto permanecemos orando, temos a chance de ver nossa compreensão de Deus e de nós mesmos sendo transformadas.
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Ricardo Barbosa de Souza é conferencista e pastor da Igreja Presbiteriana do Planalto, em Brasilia

ANSIEDADE, O ESTRANGULAMENTO EMOCIONAL




A palavra ansiedade, na língua grega, significa estrangulamento. A ansiedade nos tira o oxigênio, corta o nosso fôlego e nos asfixia. Ela rouba nossas forças, embaça nossos olhos e tira de nós a perspectiva do futuro. A ansiedade é um mal que atinge a todos, pobres e ricos, doutores e analfabetos, homens e mulheres, adultos e crianças. A pressão da vida moderna, a falta de comunicação no lar, o isolamento das pessoas e a ausência da comunhão com Deus abrem a porta para a ansiedade. Jesus nos alerta a não vivermos ansiosos com respeito ao dia de amanhã, quanto ao que havemos de comer, beber ou vestir (Mt 6.25). Não administramos o futuro, por isso não podemos sofrer por alguma coisa que ainda está para acontecer. A ansiedade é inútil, pois além de não nos ajudar a resolver o problema amanhã, ela nos enfraquece hoje. A ansiedade é incoerente, pois muitas vezes sofremos hoje por algo que jamais vai acontecer. E se tivermos de enfrentar um problema, a ansiedade nos leva a sofrer duas vezes, pois sofremos antes e quando o problema chega, vamos ter que encará-lo novamente. A ansiedade é um ato de incredulidade. Ficamos ansiosos porque duvidamos que Deus é poderoso e suficiente para cuidar da nossa vida. Onde a ansiedade se instala, a fé não tem mais espaço. Jesus nos ensina que a criação de Deus é um antídoto contra a ansiedade. Os pássaros não semeiam, não colhem nem ajuntam em celeiros, mas Deus os alimenta. Os lírios do campo se vestem garbosamente e eles não trabalham nem fiam, no entanto nem Salomão em toda a sua glória se vestiu como eles (Mt 6.28,29). O apóstolo Paulo diz que não devemos ficar ansiosos por coisa alguma, antes devemos apresentar a Deus em oração nossas necessidades (Fp 4.6). O apóstolo Pedro diz que devemos lançar sobre o Senhor toda a nossa ansiedade porque ele tem cuidado de nós (1Pe 5.7). Davi nos ensina a receita para a cura da ansiedade. Ele diz que devemos nos agradar de Deus, sabendo que ele é poderoso para satisfazer os desejos do nosso coração (Sl 37.4). Temos que ter a coragem de entregar nosso caminho ao Senhor, confiar e descansar nele, sabendo que ele tudo fará por nós (Sl 37.5,7). O mesmo Deus que está na sala de comando do universo também dirige a nossa vida. Nossas crises não o apanham de surpresa. Ele conhece nossas necessidades antes mesmo que as apresentemos a ele. Nós valemos mais que as aves do céu e os lírios do campo. Ele jamais vai desistir de completar sua obra em nós. Se ele nos permite passar por situações difíceis isso não significa ausência de amor nem falta de cuidado, mas ação pedagógica para esculpir em nós o caráter de Cristo. Deus está trabalhando em nós e nos transformando de glória em glória para refletirmos a imagem do seu Filho. Todas as coisas que se nos vêm são trabalhadas pela providência divina para o nosso bem último e maior (Rm 8.28). Não deixe seu coração ficar prisioneiro da ansiedade. A Bíblia diz que “a ansiedade no coração do homem o abate” (Pv 12.25), mas “o ânimo sereno é a vida do corpo” (Pv 14.30). Diz a Escritura: “O coração alegre é bom remédio, mas o espírito abatido faz secar os ossos” (Pv 17.22). Descanse em Deus. Tire os seus olhos das circunstâncias e ponha-os naquele que está acima e no controle das circunstâncias. Não entre na caverna da depressão, mas diga à sua própria alma: “Por que estás abatida, ó minha alma? Por que te perturbas dentro de mim? Espera em Deus, pois ainda o louvarei, a ele, meu auxílio e Deus meu” (Sl 42.11).
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Fez o seu curso de Bacharel em Teologia no Seminário Presbiteriano do Sul em Campinas-SP no período de 1978 a 1981 e o seu Doutorado em Ministério no Reformed Theological Seminary, em Jackson, Mississippi, nos Estados Unidos no período de 2000 a 2001. Foi pastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Bragança Paulista no período de 1982 a 1984 e desde 1985 é o pastor titular da Primeira Igreja Presbiteriana de Vitória-IPB. Atualmente é Presidente da Comissão Nacional de Evangelização da Igreja Presbiteriana do Brasil. É conferencista e escritor, com mais de 40 obras publicadas.

Aborto: Os dois pontos cruciais

O artigo 128 do Código Penal brasileiro (que é de 1940) permite o aborto quando há risco de vida para a mãe, e quando a gravidez resulta de estupro. Porém, apenas sete hospitais nos pais faziam o aborto legal. Esse ano, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), da Câmara dos Deputados, aprovou a obrigatoriedade do SUS (Sistema Único de Saúde) realizar o aborto nos termos da lei. O projeto, porém, permite ao médico (não ao hospital) recusar-se a fazer o aborto, por razões de consciência – um reconhecimento de que o assunto é polêmico e que envolve mais que procedimentos médicos e mecânicos. Por exemplo, o ministro da Saúde, Carlos Albuquerque, disse ser contrário à lei e comparou aborto a um assassinato. Além disto, médicos podem ter uma resistência natural, pela própria formação deles (obrigação de lutar pela vida). "O juiz que autoriza o aborto é co-autor do crime. Isso fere o direito à vida", disse o desembargador José Geraldo Fonseca, do Tribunal de Justiça de São Paulo, em entrevista ao jornal Estado de São Paulo (22/09/97). Segundo ele, o artigo 128 do Código Penal não autoriza o aborto nesses casos, mas apenas não prevê pena para quem o pratica. No momento, existem projetos de ampliar a lei, garantindo o aborto também no caso de malformação do feto, com pouca possibilidade de vida após o parto. O ensino bíblico O assunto é particularmente agudo para os cristãos comprometidos com a Palavra de Deus. É verdade que não há um preceito legal na Bíblia proibindo diretamente o aborto, como "Não abortarás". Mas a razão é clara. Era tão inconcebível que uma mulher israelita desejasse um aborto que não havia necessidade de proibi-lo explicitamente na lei de Moisés. Crianças eram consideradas como um presente ou herança de Deus (Gn 33.5; Sl 113.9; 127.3). Era Deus quem abria a madre e permitia a gravidez (Gn 29.33; 30.22; 1 Sm. 1.19-20). Não ter filhos era considerado uma maldição, já que o nome de família do marido não poderia ser perpetuado (Dt 25.6; Rt 4.5). O aborto era algo tão contrário à mentalidade israelita que bastava um mandamento genérico, "Não matarás" (Êx 20.13). Mas os tempos mudaram. A sociedade ocidental moderna vê filhos como empecilho à concretização do sonho de realização pessoal do casal, da mulher em especial, de ter uma boa posição financeira, de aproveitar a vida, de ter lazer, e de trabalhar. A Igreja, entretanto, deve guiar-se pela Palavra de Deus, e não pela ética da sociedade onde está inserida. A humanidade do feto Há dois pontos cruciais em torno dos quais gira as questões éticas e morais relacionadas com o aborto provocado. O primeiro é quanto à humanidade do feto. Esse ponto tem a ver com a resposta à pergunta: quando é que, no processo de concepção, gestação e nascimento, o embrião se torna um ser humano, uma pessoa, adquirindo assim o direito à vida? Muitos que são a favor do aborto argumentam que o embrião (e depois o feto), só se torna um ser humano depois de determinado período de gestação, antes do qual abortar não seria assassinato. Por exemplo, o aborto é permitido na Inglaterra até 7 meses de gestação. Outros são mais radicais. Em 1973 a Suprema Corte dos Estados Unidos passou uma lei permitindo o aborto, argumentando que uma criança não nascida não é uma pessoa no sentido pleno do termo, e, portanto, não tem direito constitucional à vida, liberdade e propriedades. Entretanto, muitos biólogos, geneticistas e médicos concordam que a vida biológica inicia-se desde a concepção. As Escrituras confirmam este conceito ensinando que Deus considera sagrada vida de crianças não nascidas. Veja, por exemplo, Êx 4.11; 21.21-25; Jó 10.8-12; Sl 139.13-16; Jr. 1.5; Mt 1.18; e Lc 1.39-44. Apesar de algumas dessas passagens terem pontos de difícil interpretação, não é difícil de ver que a Bíblia ensina que o corpo, a vida e as faculdades morais do homem se originam simultaneamente na concepção. Os Pais da Igreja, que vieram logo após os apóstolos, reconheceram esta verdade, como aparece claramente nos escritos de Tertuliano, Jerônimo, Agostinho, Clemente de Alexandria e outros. No Império Romano pagão, o aborto era praticado livremente, mas os cristãos se posicionaram contra a prática. Em 314 o concílio de Ancira (moderna Ankara) decretou que deveriam ser excluídos da ceia do Senhor durante 10 anos todos os que procurassem provocar o aborto ou fizesse drogas para provocá-lo. Anteriormente, o sínodo de Elvira (305-306) havia excluído até a morte os que praticassem tais coisas. Assim, a evidência biológica e bíblica é que crianças não nascidas são seres humanos, são pessoas, e que matá-las é assassinato. A santidade da vida O segundo ponto tem a ver com a santidade da vida. Ainda que as crianças fossem reconhecidas como seres humanos, como pessoas, antes de nascer, ainda assim, suas vidas estariam ameaçadas pelo aborto. Vivemos em uma sociedade que perdeu o conceito da santidade da vida. O conceito bíblico de que o homem é uma criatura especial, feita à imagem de Deus, diferente de todas as demais formas de vida, e que possui uma alma imortal, tem sido substituído pelo conceito humanista do evolucionismo, que vê o homem simplesmente como uma espécie a mais, o Homo sapiens, sem nada que realmente o faça distinto das demais espécies. A vida humana perdeu seu valor. O direito para continuar existindo não é mais determinado pelo alto valor que se dava ao homem por ser feito à imagem de Deus, mas por fatores financeiros, sociológicos e de conveniência pessoal, geralmente, utilitarista e egoísta. Em São Paulo, por exemplo, um médico declarou "Faço aborto com o mesmo respeito com que faço uma cesárea. É um procedimento tão ético como uma cauterização". E perguntado se faria aborto em sua filha, respondeu: "Faria, se ela considerasse a gravidez inoportuna por algum motivo. Eu mesmo já fiz sete abortos de namoradas minhas que não podiam sustentar a gravidez" (A Folha de São Paulo, 29 de agosto de 1997). Conclusão Esses pontos devem ser encarados por todos os cristãos. Evidentemente, existem situações complexas e difíceis, como no caso da gravidez de risco e do estupro. Meu ponto é que as soluções sempre devem ser a favor da vida. C. Everett Koop, ex-cirurgião geral dos Estados Unidos, escreveu: "Nos meus 36 anos de cirurgia pediátrica, nunca vi um caso em que o aborto fosse a única saída para que a mãe sobrevivesse". Sua prática nestes casos raros era provocar o nascimento prematuro da criança e dar todas as condições para sua sobrevivência. Ao mesmo tempo, é preciso que a Igreja se compadeça e auxilie os cristãos que se vêem diante deste terrível dilema. Condenação não irá substituir orientação, apoio e acompanhamento. A dor, a revolta e o sofrimento de quem foi estuprada não se resolverá matando o ser humano concebido em seu ventre. Por outro lado, a Igreja não pode simplesmente abandonar à sua sorte as estupradas grávidas que resolvem ter a criança. É preciso apoio, acompanhamento e orientação.
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Augustus Nicodemus Augustus Nicodemus Lopes é paraibano e pastor presbiteriano. É bacharel em teologia pelo Seminário Presbiteriano do Norte (Recife), mestre em Novo Testamento pela Universidade Reformada de Potchefstroom (África do Sul) e doutor em Interpretação Bíblica pelo Westminster Theological Seminary (EUA), com estudos no Seminário Reformado de Kampen (Holanda).

Leia: A Espiritualidade na Prática


A maioria dos livros sobre espiritualidade enfatiza a oração e o estudo da Bíblia. Porém isso pode nos levar a pensar que só podemos ter experiências com Deus quando estamos fazendo algo espiritual. Exceto nos momentos de devocional diária e nas atividades dominicais da igreja, Deus parece distante e até mesmo irrelevante para a nossa vida diária. Paul Stevens tem uma visão radicalmente diferente da espiritualidade cristã. Para ele, a verdadeira espiritualidade é “mundana” — encontramos Deus nas coisas simples e comuns da vida. Partindo da história bíblica de Jacó, Stevens explora a narrativa de Gênesis e descobre como momentos corriqueiros do dia-a-dia tornam-se extraordinários, transformados pela presença de Deus no meio do que é ”mundano”, terreno. Sonhador, intrigante, trabalhador e empreendedor, Jacó personifica uma vida multifacetada de paixão terrena e espiritualidade desafiadora. Ele encontra o sagrado não apenas na visão da escada ou no misterioso confronto com o anjo do Senhor. Encontra-se com Deus também em casa e no trabalho, à mesa e quando está dormindo, quando está sozinho e quando se relaciona com outras pessoas. Do nascimento à morte, em cada fase da vida, Jacó vê Deus nos detalhes rotineiros de sua vida diária. “A vida diária é a disciplina espiritual na qual Deus contínua e graciosamente nos encontra”, escreve Stevens. Em A Espiritualidade na Prática, ele nos ajuda a perceber que aquilo que parece lugar-comum na verdade tem grande significado espiritual. Quando menos esperamos, Deus nos surpreende dando novo encanto à nossa vida diária e fazendo de cada momento uma oportunidade de experimentar a sua bênção.
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R. Paul Stevens é professor emérito de teologia aplicada no Regent College, em Vancouver, Canadá. É autor de Os Outros Seis Dias e A Espiritualidade na Prática, entre outros.

Novo livro de Ricardo Agreste.....


Revisão de vida será lançado no dia 02 de julho em Campinas....

O que há de errado com a nossa espiritualidade?



Falar de espiritualidade neste mundo do século XXI é falar de um tema cuja relevância salta aos olhos. Diante de uma sociedade faminta por significado existencial, sedenta pelas coisas da alma humana e cada vez mais curiosa sobre Deus, é fundamental que a Igreja de Cristo não se furte a ensinar e pregar as Sagradas Escrituras. Na verdade, isso sempre foi necessário desde a proclamação do célebre “Ide” – mas há hoje uma urgência contemporânea pela anunciação das boas novas do Evangelho, porque somos cercados por “espiritualidades” que, ignorando a pessoa de Jesus, desenvolvem-se a partir das muitas e variadas experiências de cada um. Sabemos que o Espírito Santo, ao longo de toda a Bíblia, fornece ao homem o mapa da verdadeira espiritualidade. As histórias que ela conta nos convidam a um outro mundo que não o nosso – um mundo maior que nós mesmos. As histórias bíblicas nos convidam ao mundo da criação, da salvação e da bênção de Deus. Evidentemente, todo o cânon sagrado é um texto integral – mas o evangelho de Marcos, o segundo livro do Novo Testamento, tem certa primazia. Afinal, ninguém nunca havia escrito um evangelho cristão quando Marcos escreveu o dele. Com isso, criou um novo gênero. Sua forma de escrever que logo se tornou fundamental e formativa para a vida da Igreja e do cristão. Isso veio contrastar com a preferência antiga pela criação de mitos, prática que reduzia os humanos a meros espectadores do sobrenatural. Também vai de encontro à predileção moderna pela filosofia moral, concepção que nos torna responsáveis por nossa própria salvação. A história narrada no evangelho segundo Marcos é o relato verbal da realidade que, como seu assunto – a Encarnação – é, ao mesmo tempo, divina e humana. Ela revela algo que jamais concluiríamos por nossa própria observação, experiência ou suposição; e, ao mesmo tempo, nos envolve, colocando-nos na ação como receptores e participantes, sem jogar para nós a responsabilidade de fazer tudo dar certo. As implicações disso para nossa espiritualidade são enormes, já que a forma, por ela mesma, nos protege das duas principais práticas que levam a pessoa a se afastar do caminho certo: a de viver como espectador leviano dos fatos, exigindo sempre atrativos novos e mais exóticos vindos do céu; ou como moralista ansioso, aquele que toma sobre seus ombros todas as cargas do mundo. A própria forma do texto molda em nós reações que tornam muito difícil sermos simples espectadores ou moralistas. Não estamos diante de um texto que podemos dominar. Pelo contrário – somos dominados por ele.A espiritualidade é a atenção que damos à alma, ao mundo interior invisível de nossa vida – um mundo que é a essência de nossa identidade, esta alma à imagem de Deus que engloba toda nossa individualidade e glória. A espiritualidade pode parecer uma coisa maravilhosa, mas vinte séculos de experiência cristã diminuíram bastante o entusiasmo que ela outrora provocava. E sua prática não se mostra tão maravilhosa. Olhando para nossa história, não nos admiramos ao verificar que a espiritualidade costuma ser vista com desconfiança, quando não com hostilidade declarada. Isso acontece porque, na prática, e com muita freqüência, ela se transforma em neurose. Em nossos dias, temos visto a espiritualidade – ou uma suposta espiritualidade – descambar para o egoísmo, principalmente quando vira mera pretensão.Mas como isso pode acontecer? A resposta é simples: isso acontece quando nos afastamos da história do Evangelho de Cristo e adotamos a nossa própria experiência, e por quê não dizer, a nós mesmos como elemento fundamental e autorizado da espiritualidade. Passamos a fazer a exegese em nós "Sempre há um forte elemento ascético na teologia verdadeiramente espiritual. Seguir Jesus implica em não seguir nossos impulsos, apetites, caprichos e sonhos, pois tudo isso foi danificado pelo pecado" mesmos como se fôssemos textos sagrados. Não jogamos o Evangelho fora; contudo, ele fica na prateleira e pensamos que lhe conferimos honra consultando-o de vez em quando, como uma obra de referência indispensável. Por outro lado, nossos orientadores espirituais nos ensinam que somos seres gloriosos e almas preciosas. Somos levados a acreditar que nosso anseio pela santidade, bondade e verdade é magnífico. Mas a espiritualidade não está em nós mesmos, pois o próprio Deus revelou que ela está em Jesus. Como em tudo nesta vida, espiritualidade é coisa que se aprende – e o evangelho segundo Marcos é um texto didático para se entender o que é a espiritualidade.Tomamos o texto e lemos a história de Jesus, uma história estranha. Na verdade, o evangelista conta muito pouco do que nos interessa em uma história. Não ficamos sabendo sobre Jesus praticamente nada do que queremos saber. Não há descrição da sua aparência; nada ali é dito sobre sua origem, sobre quem eram seus amigos. Informações sobre a educação que recebeu, ou sobre sua família, são inexistentes. Fica difícil avaliar ou entender uma pessoa sem esses dados. E também há muito pouca referência ao que o filho de José e Maria pensava e sentia, suas emoções e lutas interiores. Embora Jesus seja a pessoa mais citada, o texto é surpreendentemente reticente quanto a ele A certa altura, porém, entendemos que se trata de uma história sobre Deus e sobre nós. Jesus é a revelação de Deus; então, quando nos defrontamos com ele, encaramos o que há em Deus. A narrativa abrange outros personagens, claro, e são muitos: os doentes, os famintos, as vítimas sociais, os excluídos. Mas Jesus é sempre o centro. Nenhum evento acontece e nenhuma pessoa aparece sem ele. Ali, Cristo subsiste tanto no contexto quanto no conteúdo da vida de todos. A espiritualidade, a atenção que dedicamos à nossa alma, transforma-se quando permitimos que o livro de Marcos dê forma a nossa prática. O texto nos ensina essa percepção: linha após linha, página após página, o conteúdo é sempre o mesmo: Jesus, Jesus e mais Jesus. Nenhum de nós é capaz de fornecer o conteúdo de nossa própria espiritualidade, pois ela nos é concedida por Jesus. O texto não dá margem a exceções.A morte de Jesus – Lendo o texto do Evangelho conforme o escreveu Marcos, logo descobrimos que toda a história se canaliza para a narração dos acontecimentos de uma única semana da vida de Jesus – justamente a semana crucial da paixão, morte e ressurreição do Filho de Deus. E, dos três eventos, sua morte é apresentada com mais detalhes. Se nos pedissem para dizer com o menor número possível de palavras qual é o conteúdo do livro de Marcos, deveríamos responder: “A morte de Jesus”. A princípio, não parece um conteúdo muito promissor, especialmente para os que procuram um texto que os oriente na vida, capaz de alimentar a alma. Mas é assim. A história possui dezesseis capítulos. Nos oito primeiros, Jesus aparece vivo, passeando sem pressa pelas vilas e caminhos da Galiléia, levando vida às pessoas. De repente, bem na hora em que atrai a atenção de todo mundo, Marcos começa a falar sobre morte. Os oito capítulos finais de seu evangelho são dominados por palavras de morte.O prenúncio da morte de Cristo assinala também uma mudança de ritmo. A narrativa, na primeira metade do livro, apresenta características de tranqüilidade e descreve os movimentos do Mestre em um ambiente quase idílico. Porém, isso muda diante da tragédia anunciada, a partir do momento em que Jesus dirige-se diretamente para Jerusalém, onde seria martirizado. Urgência e gravidade passam a caracterizar a narrativa. Muda a direção, o ritmo, o clima. Jesus é explícito em três ocasiões: ele irá sofrer, será morto e ressurgirá, conforme se lê, respectivamente, em Marcos 8.31; 9.31; e 10.33-34. E acontece a morte, descrita em seus horrores com detalhes e a precisão digna de um arguto observador. Nenhum outro acontecimento da vida de Jesus foi contado com tantas minúcias. Não há como duvidar da intenção de Marcos de deixar bem claro que o enredo, a ênfase e o significado de Jesus residem em sua morte. E o evangelista faz questão de definir este sacrifício como voluntário. Jesus não era obrigado a ir para Jerusalém; fê-lo por sua própria vontade. Explicitamente, concordou com sua própria morte. Logo, não foi um episódio acidental, tampouco inevitável. Ele aceitou a morte para que os outros pudessem receber vida – ou, conforme o texto, veio para “dar a sua vida em resgate por muitos”.Sintomaticamente, cada um dos três anúncios explícitos da morte de Cristo é concluído com o anúncio da ressurreição. A história daquele evangelho, como um todo, se encerra com o testemunho da ressurreição. Isso não dá menor valor à morte, mas a torna muito diferente do que estamos acostumados a pensar. As idéias de tragédia e procrastinação são as palavras que caracterizam a atitude de nossa cultura diante da morte. Herdamos dos gregos esta visão trágica da finitude humana. Eles escreviam textos primorosos sobre mortes trágicas – vidas ceifadas por obra de forças grandes e impessoais, circunstâncias indiferentes ao heroísmo e esperança do ser humano. Já a tentativa de procrastinar a morte ao máximo é legado da medicina moderna. Em nossa cultura, a vida é reduzida a batimentos cardíacos, circulação sangüínea, impulsos cerebrais. Como as pessoas só levam em conta sobre a vida o que a biologia pode estudar – sem enxergar sentido, espiritualidade, nem eternidade –, as tentativas de afastar, adiar e negar a morte são cada vez mais intensas. O detalhe é que não houve procrastinação na morte de Jesus. É necessário, portanto, irmos contra nossa cultura, permitindo que o vigoroso relato de Marcos molde nosso entendimento de modo a entendermos nossa própria morte dentro das ricas dimensões e relações da história de Jesus.O asceta e o esteta – Bem no centro do evangelho segundo Marcos há uma passagem que pode ser considerada o cerne da espiritualidade do texto e consiste de duas histórias. Na primeira, Jesus chama os discípulos à renúncia, quando eles partem para Jerusalém. É a dimensão asceta da espiritualidade. Já o segundo relato, o da transfiguração de Cristo no Monte Tabor, fornece a dimensão estética dessa mesma espiritualidade. As histórias são cercadas, nas duas extremidades, por afirmações da verdadeira identidade de Jesus como Deus entre nós. Pedro afirma: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”. No final, uma voz vinda do Céu declara: “Este é o meu Filho amado. Ouçam-no!”. Era o testemunho humano sendo legitimado pela confirmação divina.Essas histórias possuem uma conexão orgânica, um ritmo binário e uma teologia espiritual única. Elas reúnem os movimentos ascetas e estéticos, o sim e o não que atuam juntos no coração da teologia espiritual. O ascetismo aparece circunscrito nas palavras do Salvador, que são breves e diretas: “Se alguém quiser acompanhar-me, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me” (Marcos 8.34). Fica evidente que Jesus vai a algum lugar e nos convida para irmos com ele. É um convite, sim, à renúncia. Sempre há um forte elemento ascético na teologia verdadeiramente espiritual. Seguir Jesus implica em não seguir nossos impulsos, apetites, caprichos e sonhos, pois tudo isso foi danificado pelo pecado. Seguir Jesus significa não seguir as práticas de procrastinação e negação da morte, mesmo em uma cultura que, pela busca obsessiva da vida sob a inspiração de ídolos e ideologias, acaba encontrando uma existência tão restrita e degradada que dificilmente merece o nome de vida. Mas a arte de dizer “não” nos deixa livres para seguir Jesus.Na monumental obra escrita por Marcos, o esteta aparece ao lado do asceta. É o “sim” de Deus em Jesus. Pedro, Tiago e João o vêem transfigurado na montanha, em uma nuvem brilhante, na companhia de Moisés e Elias. Os discípulos viram a beleza da glória do Senhor, e é ela que acabamos por experimentar ao nos aproximarmos do Pai. Há sempre um componente estético forte na verdadeira teologia espiritual. Subir ao monte com Jesus significa deparar-se com uma beleza de tirar o fôlego. Permanecer na companhia dele é contemplar sua glória e escutar a confirmação divina da revelação nele. Aqui está o segredo do Jesus transfigurado. Ele é a forma da revelação, e a luz não cai do alto sobre essa forma, nem vem de fora – antes, brota de seu interior. A única reação adequada a essa luz é manter os olhos abertos para observar o que está sendo iluminado: adoração.O impulso estético na teologia espiritual relaciona-se a treinar a percepção, isto é, aprender a apreciar o que está sendo revelado em Jesus. Não somos bons nisso, pois o pecado prejudicou nossos sentidos. O mundo, apesar de alardear a celebração da sensualidade, é implacável em anestesiar e esquecer o que é sentir, restringindo a estética ao que se pode encontrar em museus ou jardins. Nossos sentidos precisam de cura e reabilitação para se tornarem adequados a receber e responder às visões e aparições do Espírito Santo de Deus.Nosso corpo, com seus cinco sentidos, não é empecilho para a vida de fé. Nossa sensibilidade não é barreira para a espiritualidade, e sim, o único acesso a ela. Marcos escolheu mostrar Jesus como a revelação de Deus e fez um relato completo da sua obra na salvação. Somos convidados a participar por inteiro da história de Jesus, e o evangelista nos mostra como fazer isso. Ele não se limita a contar que Jesus é o Filho de Deus; nem a nos dizer que nos tornamos beneficiários de sua expiação. Ele nos convida a morrer a morte de Jesus e a viver sua vida com a liberdade e a dignidade dos participantes. E eis aqui um fato maravilhoso – ficamos no centro da história, sem nos transformarmos nos seus principais protagonistas. Habitualmente, e os crentes sabem bem disso, sempre é perigoso o interesse do indivíduo em si mesmo. A obsessão com as questões da alma fazem com que Deus passe a ser visto como mero acessório da experiência pessoal. É preciso muita vigilância – e a teologia espiritual é, entre outras coisas, o exercício dessa vigilância.Por isso o evangelho de Marcos é um texto básico para se entender a espiritualidade humana. Suas histórias sobre vida e morte, crucificação e ressurreição, nos mostram e nos ensinam sobre negação e afirmação. Mas não se limitam a isso. Também levam-nos adiante em fé e obediência, para a vida que só se completa, por fim no não definitivo e no sim glorioso do Jesus crucificado e ressurreto.
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Eugene Peterson é professor emérito de Teologia da Espiritualidade na Regent College, em Vancouver, no Canadá.

Em Busca da Alegria - J. Piper

Você sabia que Deus ordena que sejamos felizes? Seis verdades bíblicas Você sabia que Deus ordena que sejamos felizes?“Deleita-te também no Senhor, e ele te concederá o que deseja o teu coração” (Salmos 37.4).1) Deus nos criou para Sua glória “Trazei meus filhos de longe, e minhas filhas das extremidades da terra...e que criei para minha glória, e que formei e fiz” (Isaías 43:6-7). 
Deus nos criou para magnificar Sua grandeza — assim como um telescópio magnífica as estrelas. Ele nos criou para manifestar Sua bondade e verdade, Sua formosura, sabedoria e justiça. 
A maior manifestação da glória de Deus vem de um profundo deleite em tudo o que Ele é. Isto significa que Deus recebe o louvor, e nós o prazer. Deus nos criou de tal forma que Ele é mais glorificado em nós, quando nos satisfazemos mais nEle.2) Todo ser humano deveria viver para a glória de Deus “Portanto, quer comais quer bebais, ou façais, qualquer outra coisa, fazei tudo para glória de Deus” (1 Coríntios 10.31). 
Se Deus nos criou para Sua glória, está claro que deveríamos viver para Sua glória. Nosso dever vem de Seu desígnio. Assim, nossa primeira obrigação é mostrar o valor de Deus estando satisfeitos com tudo o que Ele é para nós. Esta é a essência do amor a Deus (Mateus 22:37), da confiança nEle (1 João 5:3-4) e da gratidão para com Ele (Salmos 100:2-4). Essa é a raiz de toda verdadeira obediência, especialmente do amor para com os outros (Colossenses 1:4-5). 3) Todos nós temos falhado em glorificar a Deus como deveríamos“Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus” (Romanos 3.23).
O que significa “destituído estão da glória de Deus”? Significa que nenhum de nós tem confiado em Deus nem O apreciado como deveríamos. Nós não temos estado satisfeitos com Sua grandeza nem andando em Seus caminhos. Temos buscado nossa satisfação em outras coisas, e tratando-as como mais valorosas do que Deus, e esta é a essência da idolatria (Romanos 1:21-23). Desde que o pecado entrou no mundo, temos sido profundamente resistentes a ter Deus como nosso tesouro todo-satisfatório (Efésios 2:3), o que é uma terrível ofensa à grandeza de Deus (Jeremias 2:12-13). 4) Todos nós estamos sujeitos à justa condenação de Deus“O salário do pecado é a morte...” (Romanos 6.23). 
Todos nós temos menosprezado a glória de Deus. De que maneira? Por preferir outras coisas acima dEle. Por nossa ingratidão, desconfiança e desobediência. Portanto, Deus nos trata com justiça quando nos nega o prazer de Sua glória para sempre. “Os quais sofrerão, como castigo, a perdição eterna, banidos da face do senhor e da glória do seu poder” (2 Tessalonicenses 1:9).
A palavra “inferno” é usada doze vezes no Novo Testamento — onze vezes pelo próprio Jesus. Isto não é um mito criado por pregadores funestos e cheios de ira. É um aviso solene da parte do Filho de Deus, que morreu para resgatar pecadores de sua maldição. Corremos um grande risco ao ignorá-lo. Se a Bíblia parasse aqui em sua análise da condição humana, estaríamos condenados a um futuro sem esperança. Contudo, não é aqui onde ela pára... 5) 
Deus enviou Seu único Filho, para prover vida eterna e alegria“Fiel é esta palavra e digna de toda a aceitação; que Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais sou eu o principal” (1 Timoteo 1.15).As boas novas são que Cristo morreu por pecadores como nós. E Ele ressuscitou fisicamente para validar o poder salvador de Sua morte e abrir os portões da vida eterna e da alegria (1 Coríntios 15.20). Isto é, Deus pode absolver pecadores culpados e continuar sendo justo (Romanos 3.25-26). 
“Porque também Cristo morreu uma só vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levar-nos a Deus; sendo, na verdade, morto na carne, mas vivificado no espírito” (1 Pedro 3.18). É na reconciliação com Deus que toda satisfação profunda e duradoura é encontrada.6) Os benefícios adquiridos pela morte de Cristo pertencem àqueles que se arrependeram e crêem nEle “Arrependei-vos, pois, e convertei-vos, para que sejam apagados os vossos pecados” (Atos 3.19). “Crê no Senhor Jesus e serás salvo, tu e tua casa” (Atos 16.31). 
“Arrepender-se” significa rejeitar todas as promessas enganosas do pecado. “Fé” significa estar satisfeito com tudo o que Deus promete ser para nós em Jesus. “Quem crê em mim jamais terá sede” (João 6:35) . Nós não adquirimos a nossa salvação. Nós não podemos merecê-la (Romanos 4:4-5). Ela é recebida pela fé (Efésios 2:8-9). É um dom gratuito (Romanos 3:24). Nós a teremos se a valorizarmos acima de todas as coisas (Mateus 13:44). 
Quando assim o fazemos, se cumpre o propósito de Deus para a criação: Ele é glorificado em nós e nós somos satisfeitos nEle — para sempre. Isto faz sentido para você?Você deseja o tipo de felicidade que vem de estar satisfeito com tudo o que Deus é para você em Jesus? 
Se sim, então Deus está operando em sua vida. O que você deve fazer?Deixe de confiar nas promessas enganosas do pecado. Clame a Jesus para lhe salvar da culpa, do castigo e da escravidão do pecado. “Todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo” (Romanos 10:13). 
Comece a depositar sua confiança em tudo o que Deus é para você em Jesus. Quebre o poder das promessas do pecado pela fé na satisfação superior das promessas de Deus. Comece a ler a Bíblia para encontrar Suas preciosas e mui grandes promessas, que podem lhe libertar (2 Pedro 1.3-4). Encontre uma igreja que creia na Bíblia e comece a adorar a Deus e crescer juntamente com as outras pessoas que apreciam a Cristo acima de todas as coisas (Filipenses 3.7). A melhor notícia do mundo é que não precisa haver nenhum conflito entre a nossa felicidade e a santidade de Deus. 
Estar satisfeito com tudo o que o Deus é para nós em Jesus O magnifica como um grande Tesouro.“Tu me farás conhecer a vereda da vida; na tua presença há plenitude de alegria; na tua mão direita há delícias perpetuamente” (Salmo 16.11).

Referências Bibliográficas

Respondeu-lhe Jesus: Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento” (Mateus 22:37) “Porque este é o amor de Deus, que guardemos os seus mandamentos; e os seus mandamentos não são penosos; porque todo o que é nascido de Deus vence o mundo; e esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé” (1 João 5:3-4).
“Servi ao Senhor com alegria, e apresentai-vos a ele com cântico. Sabei que o Senhor é Deus! Foi ele quem nos fez, e somos dele; somos o seu povo e ovelhas do seu pasto. Entrai pelas suas portas com ação de graças, e em seus átrios com louvor; dai-lhe graças e bendizei o seu nome” (Salmos 100:2-4).“Desde que ouvimos falar da vossa fé em Cristo Jesus, e do amor que tendes a todos os santos, por causa da esperança que vos está reservada nos céus, da qual antes ouvistes pela palavra da verdade do evangelho” (Colossenses 1:4-5).
“Porquanto, tendo conhecido a Deus, contudo não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças, antes nas suas especulações se desvaneceram, e o seu coração insensato se obscureceu. Dizendo-se sábios, tornaram-se estultos, e mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, e de aves, e de quadrúpedes, e de répteis” (Romanos 1:21-23).“Entre os quais todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como também os demais” (Efésios 2:3).
“Espantai-vos disto, ó céus, e horrorizai-vos! ficai verdadeiramente desolados, diz o Senhor. Porque o meu povo fez duas maldades: a mim me deixaram, o manancial de águas vivas, e cavaram para si cisternas, cisternas rotas, que não retêm as águas” (Jeremias 2:12-13).“Mas na realidade Cristo foi ressuscitado dentre os mortos, sendo ele as primícias dos que dormem” (1 Coríntios 15:20) 
“Ao qual Deus propôs como propiciação, pela fé, no seu sangue, para demonstração da sua justiça por ter ele na sua paciência, deixado de lado os delitos outrora cometidos; para demonstração da sua justiça neste tempo presente, para que ele seja justo e também justificador daquele que tem fé em Jesus” (Romanos 3:25-26).“Ora, ao que trabalha não se lhe conta a recompensa como dádiva, mas sim como dívida; porém ao que não trabalha, mas crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é contada como justiça” (Romanos 4:4-5). 
“Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus; não vem das obras, para que ninguém se glorie” (Efésios 2:8-9) “Sendo justificados gratuitamente pela sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus” (Romanos 3:24) “O reino dos céus é semelhante a um tesouro escondido no campo, que um homem, ao descobri-lo, esconde; então, movido de gozo, vai, vende tudo quanto tem, e compra aquele campo” (Mateus 13:44).
“Visto como o seu divino poder nos tem dado tudo o que diz respeito à vida e à piedade, pelo pleno conhecimento daquele que nos chamou por sua própria glória e virtude; pelas quais ele nos tem dado as suas preciosas e grandíssimas promessas, para que por elas vos torneis participantes da natureza divina, havendo escapado da corrupção, que pela concupiscência há no mundo” (2 Pedro 1:3-4).“Mas o que para mim era lucro passei a considerá-lo como perda por amor de Cristo” (Filipenses 3:7).
Aparições da palavra “inferno” no Novo TestamentoEu, porém, vos digo que todo aquele que se encolerizar contra seu irmão, será réu de juízo; e quem disser a seu irmão: Raca, será réu diante do sinédrio; e quem lhe disser: Tolo, será réu do fogo do inferno. (Mateus 5:22, Jesus falando) Se o teu olho direito te faz tropeçar, arranca-o e lança-o de ti; pois te é melhor que se perca um dos teus membros do que seja todo o teu corpo lançado no inferno. (Mateus 5:29, Jesus falando) 
E, se a tua mão direita te faz tropeçar, corta-a e lança-a de ti; pois te é melhor que se perca um dos teus membros do que vá todo o teu corpo para o inferno. (Mateus 5:30, Jesus falando) E não temais os que matam o corpo, e não podem matar a alma; temei antes aquele que pode fazer perecer no inferno tanto a alma como o corpo. (Mateus 10:28, Jesus falando) E, se teu olho te fizer tropeçar, arranca-o, e lança-o de ti; melhor te é entrar na vida com um só olho, do que tendo dois olhos, ser lançado no inferno de fogo. (Mateus 18:9, Jesus falando) 
Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque percorreis o mar e a terra para fazer um prosélito; e, depois de o terdes feito, o tornais duas vezes mais filho do inferno do que vós. (Mateus 23:15, Jesus falando) Serpentes, raça de víboras! como escapareis da condenação do inferno? (Mateus 23:33, Jesus falando) E se a tua mão te fizer tropeçar, corta-a; melhor é entrares na vida aleijado, do que, tendo duas mãos, ires para o inferno, para o fogo que nunca se apaga. (Marcos 9:43, Jesus falando) Ou, se o teu pé te fizer tropeçar, corta-o; melhor é entrares coxo na vida, do que, tendo dois pés, seres lançado no inferno. (Marcos 9:45, Jesus falando) Ou, se o teu olho te fizer tropeçar, lança-o fora; melhor é entrares no reino de Deus com um só olho, do que, tendo dois olhos, seres lançado no inferno. (Marcos 9:47, Jesus falando) Mas eu vos mostrarei a quem é que deveis temer; temei aquele que, depois de matar, tem poder para lançar no inferno; sim, digo, a esse temei. (Lucas 12:5, Jesus falando) No hades [inferno], ergueu os olhos, estando em tormentos, e viu ao longe a Abraão, e a Lázaro no seu seio. (Lucas 16:23, Jesus falando) 
A língua também é um fogo; sim, a língua, qual mundo de iniqüidade, colocada entre os nossos membros, contamina todo o corpo, e inflama o curso da natureza, sendo por sua vez inflamada pelo inferno. (Tiago 3:6, Tiago falando)Porque se Deus não poupou a anjos quando pecaram, mas lançou-os no inferno, e os entregou aos abismos da escuridão, reservando-os para o juízo. (2 Pedro 2:4, Pedro falando).
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John Stephen Piper, é um escritor e ministro batista reformado, que atualmente serve como pastor sênior na Igreja Batista Bethlehem em Minneapolis, Minnesota. É muito famoso por causa de seu livro "Desiring God".