sexta-feira, 15 de maio de 2009

Realizando cerimônias - Eugene Peterson.


Eventos públicos colocam pastores no centro do palco – onde, ironicamente, eles não são muito percebidos.
Na atual sociedade secular, o único contato pessoal que muitas pessoas terão com um pastor será numa ocasião pública: um casamento, funeral, dedicação de bebê ou batismo, uma cerimônia de premiação. Estes ambientes, onde os clérigos estão na frente e no centro, oferecem uma única oportunidade para os ministros, mas como este artigo observa, o pastor é mais eficaz quando pensa onde o refletor vai brilhar. Muitos trabalhos pastorais acontecem na obscuridade, decifrando a graça nas sombras, soprando as brasas de uma vida gasta.
Os pastores ficam com seu povo semana após semana, ano após ano, para proclamar e guiar, encorajando-o e instruindo-o sobre como Deus realiza seus propósitos (gloriosamente, isso será finalmente revelado) nas ondulantes e inconstantes vidas que compõe nossas congregações. Isso necessariamente significa suportar com seriedade, e com fé, as tediosas rotinas da vida. Isso significa ver o transcendente na neblina e na chuva. Isso significa viver esperançosamente entre pessoas que de tempos em tempos têm vislumbres da Glória, mas depois vivem longos períodos de incontáveis cinzas. Esse duro trabalho não é visivelmente fascinante. Porém, há interrupções freqüentes nesse tipo de trabalho no qual seu significado é todo inflamado.
A sarça ardente também não se extingue. Nosso trabalho é feito para nós ou, pelo menos é o que parece, pelas circunstâncias. Não fazemos nada para nos reunirmos nessas ocasiões: nenhum encontro de oração, nenhum planejamento estratégico, nenhum comitê desenvolvido. Eles estão revestidos de importância e quase sempre, mesmo entre incrédulos, de um senso de reverência. Essas interrupções do ordinário se tornam ocasiões de cerimônias: casamentos, funerais, batismos, dedicações, aniversários, formaturas, eventos onde os feitos humanos são honrados.Apesar da carência de significado, que caracteriza tantas vidas, e pela qual as pessoas compensam com loucura e fantasias, há um excesso: o êxtase do amor, a dignidade da morte, o milagre da vida, a nobreza dos acontecimentos.
Essas ocasiões extrapolam o limite de cada dia e exigem tempo livre para serem desfrutados plenamente. Nenhum amor foi celebrado suficientemente, nenhuma morte foi chorada o bastante, nenhuma vida amada direito, e nenhum feito honrado de maneira satisfatória. As pessoas separam tempo, espaço, chamam amigos, reúnem a família. Quase sempre, o pastor é chamado para presidir.
Quando chegamos, parece que somos muito necessários, e de fato, somos muito notados. Uma das ironias do trabalho pastoral é que quando estamos localizados no centro do acontecimento somos vistos como se estivéssemos às margens. Ninguém diria isso, claro, mas o acontecimento que define a ocasião – amor, morte, nascimento – prende a atenção de todo mundo. Ninguém pergunta ao pastor qual o sentido daquilo.
O sentido está ali, nos noivos, no esquife, na criança. O pastor faz, nessas situações, o que o teatro chama de “quinto negócio” – requerido pelos costumes, mas de efeito acidental, mesmo assim, à sua maneira, importante em outras situações. Isso é estranho, e nunca nos acostumamos com isso, pelo menos eu não.
Na obscuridade do dia-a-dia , na qual realizamos a maior parte do nosso trabalho, temos a sensação de sermos verdadeiramente necessários. Mesmo quando não somos notados, temos freqüentemente a certeza de que nossa presença é importante, algumas vezes uma diferença essencial, porque temos escalado os lugares abandonados, as vidas assoladas, a “brecha” que Ezequiel citou (22:30) e porque temos pregado a Palavra e testemunhado a Misericórdia de Cristo. Mas nas situações em que nos são dadas as honras à mesa, somos secundários para todo mundo.Onde está o holofote? – Nos casamentos, o amor é celebrado.
A atmosfera é interpretada com adoração. Aqui estão duas pessoas no seu auge, em amor, experimentando uma vida de fidelidade. Todo mundo sabe como isso é difícil e maravilhoso. As emoções irrompem em lagrimas e sorrisos, tacam-se a rir, portam-se com pompa. No clímax do drama que arrasta família e amigos para o mesmo espírito, o pastor é quase invisível. Estamos geometricamente no centro da cerimônia, mas os olhos estão em qualquer outra parte.Nos funerais a morte é dignificada. O não-estar-lá do falecido é encarado como solenidade ritual. A ausência nesse momento é mais importante que a presença.
O sofrimento, expresso torrencialmente ou sutilmente, passa por um caminho de aceitação e gratidão que o salva de ser um choro desperdiçado para virar um aprendizado. As lágrimas que embaçam a percepção da vida, mesmo a dos pastores, clareiam nossa compreensão da morte. Nos batismos e dedicações de crianças, o milagre da vida infantil ofusca todo o mundo adulto. O ato de segurar a criança no batismo ou na dedicação, o pastor, apesar de ser mais forte, maior, mais entendido, é encoberto pelo brilho do bebê.
Em aniversários e formaturas a admiração coletiva ou a expectativa produzem uma efusão de emoções que absorvem tudo. Todos os olhos estão focados, e os ouvidos voltados, para a pessoa honrada, para a tarefa completada, para a vitória conquistada. O pastor ministrando sob as luzes e com os amplificadores funcionando bem, não consegue ser o centro das atenções, e mal é ouvido.Acontece que nas situações em que nos tornamos mais visíveis, fazendo orações, dando a benção, dirigindo cerimônias e proferindo sermões, dificilmente somos notados.A única coisa necessária – Se ninguém percebe a nossa presença da forma como nós a percebemos, o que está acontecendo? Estamos na beirada nessas ocasiões. Ninguém veio para nos ver. Ninguém veio para nos ouvir.
Não somos tão necessários da forma como estamos acostumados a ser. Ninguém precisa da gente para dizer às pessoas que algo muito importante está ocorrendo. Ninguém precisa da gente para pronunciar que aquele é um acontecimento único, do qual somos participantes privilegiados. Então, por que estamos ali? Estamos ali para anunciar Deus.
Estamos ali por uma razão somente: interceder. Estamos ali para enfatizar a abundante, intensa e ininterrupta força da alegria, da tristeza, do prazer, da apreciação em Deus. Estamos ali para anunciar Deus pessoalmente, para revelar seu nome claramente, distintamente, sem apologia, apenas em oração. Estamos lá para dizer isso sem hesitação, sem amenizar e sem prevaricar, sem fazer propaganda, proselitismo ou manipulação.
Não temos outra tarefa nessas ocasiões. Não podemos acrescentar nada ao que já está lá. Somos requeridos somente para dizer o Nome: Pai, Filho, Espírito Santo. Todos os homens e mulheres têm fome de Deus. A fome é maquiada e interpretada de várias formas, mas ela sempre está lá. Toda a gente está prestes a gritar “Meu Senhor e meu Deus!”, basta as circunstâncias deixarem no passado suas dívidas e desconfianças, basta elas levarem suas rotinas e suas acomodações com a mediocridade.
Nas ocasiões de cerimônia e celebração, existem muitas pessoas que nunca entraram numa igreja, que fazem de tudo para manterem Deus afastado e nunca intencionaram confessar Jesus como Senhor e Salvador.
Essas pessoas não estão acostumadas a estar perto de pastores, e não poucos deles educadamente nos desprezam. É melhor que sejamos vistos como estranhos na situação. Essa situação nos traz uma conscientização da Graça, de uma Esperança desafiante, de uma corajosa Fidelidade. Mas conscientização, apesar de importante, não é suficiente.
Conscientização é apenas uma introdução. A conscientização, como tal, facilmente se torna sentimentalismo religioso ou choro romântico, ou se solidifica em patriotismo arrogante ou vaidade farisaica. A melhor coisa que podemos dizer nesse momento é sobre Deus.
Cultivamos uma frieza que não nos inflamamos ao pregarmos o sermão. Devemos fazer aquilo que estamos ali para fazer: pronunciar o Nome. Mas é fácil se distrair disso. Tem muita coisa acontecendo, muita coisa para ver, ouvir e falar. Muita emoção. Muita, nós pensamos, “oportunidade”.
Mas nossa missão é a “única coisa necessária”, o invisível e sereno lugar central, Deus.Tanta moderação não é fácil. Sem estar ciente disso, podemos nos sentir mal com nossa situação e levar nossa posição mais adiante, insistindo em ser notado e conhecido.
Nós costumamos fazer isso através das maneiras ou do tom: estridência, sentimentalismo, perspicácia. Fazemos isso, claro, em nome de Deus, supondo que somos sustentados por aquele que representamos. Mas essa postura não glorifica a Deus; apenas revela a vaidade clerical.
Na terra do bezerro de ouro – Porém, há outra razão para nos mantermos as margens das cerimônias e celebrações. É a terra do bezerro de ouro.
Sentimentos religiosos vão longe, mas de forma distante daquela que foi dita no Sinai e feita no Calvário. Apesar de cada um ter uma fome de Deus, profunda e insaciável, nenhum de nós tem grandes desejos por Ele.
O que queremos mesmo é ser nossos próprios deuses e possuir outros deuses que nos ajudem. Essa terra deturpa o Éden, e nessa terra nosso Ego é soberano. As instruções com as quais crescemos tem a maioria de suas questões formuladas em primeira pessoa: como eu posso fazer isso? Como eu posso maximizar meu potencial? Como eu posso desenvolver meus dons? Como superar meus obstáculos?
A maioria das respostas para essas questões incluem a sugestão de que uma religião pelo meio do caminhão não seria uma má idéia. Tudo o que nos tira da trivialidade da nossa vida faz essas questões se intensificarem. Os pastores, desde que estejamos presente nos eventos e tenhamos uma reputação de termos conhecimento em matéria de religião, são vistos como legitimadores e encorajadores da religião.
Na nossa ânsia de agradar, e esquecidos da nossa propensão à idolatria, também deixamos o despretensioso lugar da oração, e com uma oferta espontânea e religiosamente enfeitados o povo traz um bezerro de ouro – Amor Romântico, Querida Lembrança, Vida Inocente, Admirável Feito – e proclamam “festa ao Senhor”.
Calvino via o coração humano como uma inexorável fabrica de fazer ídolos. E as pessoas comumente vêem o pastor como o controle de qualidade dessa fábrica. No momento em que aceitamos essa posição, desertamos da nossa vocação.
As pessoas querem coisas para trabalhar melhor; querem uma vida mais interessante; querem auxílio num tempo difícil; querem sentido nos seus empreendimentos. Querem Deus, de certa forma, mas não um “Deus ciumento”, não o “Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo”.
Existem diversas maneiras de ser religioso sem estar submetido ao senhorio de Cristo, e as pessoas praticam a maioria delas. Eles são treinados desde novos a consumir os mais altos padrões de vida. Não deveria ser surpresa esperarem pastores para ajudá-los com isso. Ir adiante é uma grande apostasia. “e Moisés disse a Arão: Que te fez esse povo, que trouxeste sobre eles tamanho pecado” (Ex 32:21).
A desculpa de Arão é desagradavelmente pouco convincente.Nosso verdadeiro trabalho – Nossas igrejas e nossas comunidades nos designam para cerimônias desse tipo, onde devemos ser cuidadosos para fazer algo bem.
Existem maneiras corretas e equivocadas de agir e falar, melhores e piores maneiras de conduzir essas cerimônias e celebrações. Nenhum detalhe é insignificante: gestos levam à graça, o tom de voz impõe respeito, a conduta define a atmosfera, a preparação aumenta a admiração. Nosso verdadeiro trabalho em cada ocasião em que um pastor é requerido é orar.
Quer as pessoas que estão lá esperem isso ou não, nós chegamos como pessoas de oração. As margens são o melhor local para manter essa intenção. Nossa vocação é ser suscetível ao que Deus está falando nesses momentos, e estar lá simplesmente como sal, como fermento. A maioria de nossas orações será inaudível para aquelas pessoas.
Não estamos orando para que elas fiquem inspiradas, estamos intercedendo por elas. A ação de Deus é intensificada nessas orações e permanece em suas vidas mesmo depois desses eventos. As cerimônias ocorrem em uma hora ou mais; as orações continuam.
Esse é o nosso verdadeiro trabalho: fazer casamentos e enterros, dar crescimento às vidas e desenvolver projetos diante de Deus numa contínua comunidade de intercessores.
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Copyright © 2009 por Christianity Today International - (Traduzido por Yuri Nikolai).

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